quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

O autor e sua criatura

Em setembro de 2017, Brian Acton, deixou o WhatsApp, empresa que ele fundou com Jan Koum, oito anos antes, e que havia sido comprada pelo Facebook, em 2014, pela bagatela de US$ 22 bilhões. O motivo para abandonar o negócio que havia criado? Os rumos que a rede social de Mark Zuckerberg traçava, na época, para o aplicativo.

O empreendedor discordava das mensagens enviadas pelo Facebook, que planejava veicular anúncios publicitários no app e, com essa estratégia, mudar a política de privacidade, com a captura de informações dos usuários. Pouco tempo depois, em abril de 2018, esse plano do Facebook fez com que Koum seguisse o mesmo caminho.

Agora, passados pouco mais de três anos, um roteiro escrito a partir de argumentos similares está colocando, mais uma vez, Acton e o Facebook em lados opostos. E, por consequência, o empreendedor contra a sua criação. Agora, porém, com um novo ator nesse processo.

Em 2018, Acton desembolsou US$ 50 milhões para lançar a Signal Technology Foundation, com o pesquisador Moxie Marlinspike. Sem fins lucrativos, a organização tem como maior projeto o Signal, app de mensagens cujo mantra é priorizar a privacidade e não coletar os dados dos usuários.

Acton diz que o serviço vem registrando um crescimento expressivo nas últimas semanas. E a razão desse salto é justamente o WhatsApp. Ou melhor, uma nova mudança nas políticas de privacidade do aplicativo, implantada por Zuckerberg e companhia.

Até 8 de fevereiro, os usuários do WhatsApp terão que concordar com o compartilhamento de seus dados com o Facebook, Instagram e o Messenger caso queiram continuar com acesso ao aplicativo. “O menor dos eventos ajudou a desencadear o maior dos resultados”, disse Acton, em entrevista ao portal americano TechCrunch.

Ele destacou a brecha para crescer a base de usuários. “É uma grande oportunidade para a Signal brilhar e dar às pessoas uma alternativa”, disse. “Tivemos um crescimento lento por três anos e, então, uma grande explosão. Agora, o foguete está decolando.”

Acton também comemorou o fato de a questão ter jogado luz sobre o tema da privacidade e a busca por respostas e explicações, por parte dos usuários e da mídia, quanto às alterações propostas pelo Facebook. Ele afirmou que a nova política é “complicada” e que “todo mundo está confuso”.

Embora não tenha revelado quantos usuários o Signal ganhou nas últimas semanas, ele disse que o aplicativo está no topo da App Store, em 40 países, e na Google Play, em 18 mercados.

O app não é o único a colher bons frutos dessa situação. Na última terça-feira, o russo Telegram informou que adicionou mais de 25 milhões de usuários em sua plataforma nas 72 horas anteriores.

Segundo a App Annie, empresa que compila dados do mercado móvel, a Signal tinha cerca de 20 milhões de usuários ativos no fim de dezembro. Já a Sensor Tower informa que o aplicativo foi baixado mais de 7,5 milhões de vezes entre 6 e 10 de janeiro.

A expansão traz um alento para a Signal, que também depende de doações para tocar sua operação, hoje composta por um time de 50 profissionais. E Acton quer aproveitar esse momento para dar fôlego a esse financiamento.

“Se o Signal chegar a um bilhão de usuários são um bilhão de doadores”, disse. “A única maneira de ganhar essa doação é construindo um produto inovador e encantador”, que cutucou o WhatsApp e o Facebook, ao classificar essa relação como mais saudável.

Na corrida para atrair mais pessoas ao aplicativo, Acton e o Signal ganharam reforços de peso nas últimas semanas. Primeiro, Elon Musk, o bilionário da Tesla, que já teceu críticas às políticas do Facebook, fez uma postagem no Twitter dizendo apenas: “Usem o Signal”. Posteriormente, a mensagem foi replicada por Jack Dorsey, o fundador do Twitter, que também publicou uma postagem com uma captura de tela do Signal.

Mesmo com esse apoio, Acton não recomendou que os usuários deixem o WhatsApp. Ao contrário. Ele ressaltou que enxerga as pessoas usando o Signal para conversas com a família e amigos próximos, e o aplicativo do Facebook para outros fins.

“Não tenho vontade de fazer todas as coisas que o WhatsApp faz. Meu desejo é dar às pessoas uma alternativa”, afirmou. “Caso contrário, você está preso em algo que não tem escolha. E esse não é um cenário onde o vencedor fica com tudo.”

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terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Eu aprendi

 Eu aprendi...

...que ignorar os fatos não os altera;

Eu aprendi...
...que quando você planeja se nivelar com alguém, apenas está permitindo que essa pessoa continue a magoar você;

Eu aprendi...
...que o AMOR, e não o TEMPO, é que cura todas as feridas;

Eu aprendi...
...que ninguém é perfeito até que você se apaixone por essa pessoa;

Eu aprendi...
...que a vida é dura, mas eu sou mais ainda;

Eu aprendi...
...que as oportunidades nunca são perdidas; alguém vai aproveitar as que você perdeu.

Eu aprendi...
...que quando o ancoradouro se torna amargo a felicidade vai aportar em outro lugar;

Eu aprendi...
...que não posso escolher como me sinto, mas posso escolher o que fazer a respeito;

Eu aprendi...
...que todos querem viver no topo da montanha, mas toda felicidade e crescimento ocorre quando você esta escalando-a;

Eu aprendi...
...que quanto menos tempo tenho, mais coisas consigo fazer.

H. Jackson Brown Jr

A vida

 A vida me ensinou...

A dizer adeus às pessoas que amo,
Sem tirá-las do meu coração;
A sorrir às pessoas que não gostam de mim,
Para mostrar-lhes que sou diferente do que elas pensam;
Fazer de conta que tudo está bem quando isso não é verdade,
Para que eu possa acreditar que tudo vai mudar;
Calar-me para ouvir;
Aprender com meus erros.
Afinal eu posso ser sempre melhor.
A lutar contra as injustiças;
Sorrir quando o que mais desejo é gritar todas as minhas dores para o mundo,
A ser forte quando os que amo estão com problemas;
Ser carinhosa com todos que precisam do meu carinho;
Ouvir a todos que só precisam desabafar;
Amar aos que me machucam ou querem fazer de mim depósito de suas frustrações e desafetos;
Perdoar incondicionalmente,
Pois já precisei desse perdão;
Amar incondicionalmente,
Pois também preciso desse amor;
A alegrar a quem precisa;
A pedir perdão;
A sonhar acordada;
A acordar para a realidade (sempre que fosse necessário);
A aproveitar cada instante de felicidade;
A chorar de saudade sem vergonha de demonstrar;
Me ensinou a ter olhos para "ver e ouvir estrelas", embora nem sempre consiga entendê-las;
A ver o encanto do pôr-do-sol;
A sentir a dor do adeus e do que se acaba, sempre lutando para preservar tudo o que é importante para a felicidade do meu ser;
A abrir minhas janelas para o amor;
A não temer o futuro;
Me ensinou e está me ensinando a aproveitar o presente, como um presente que da vida recebi, e usá-lo como um diamante que eu mesma tenha que lapidar, lhe dando forma da maneira que eu escolher.

Fênix Faustine

Benditos

 BENDITOS


Abençoados os que possuem amigos, os que os têm sem pedir.
Porque amigo não se pede, não se compra, nem se vende.
Amigo a gente sente!

Benditos os que sofrem por amigos, os que falam com o olhar.
Porque amigo não se cala, não questiona, nem se rende.
Amigo a gente entende!

Benditos os que guardam amigos, os que entregam o ombro pra chorar.
Porque amigo sofre e chora.
Amigo não tem hora pra consolar!

Benditos sejam os amigos que acreditam na tua verdade ou te apontam a realidade.
Porque amigo é a direção.
Amigo é a base quando falta o chão!

Benditos sejam todos os amigos de raízes, verdadeiros.
Porque amigos são herdeiros da real sagacidade.
Ter amigos é a melhor cumplicidade!

Isabel Machado

Felicidade

 Soneto de Fidelidade


De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes

Um dia

 Um dia a maioria de nós irá se separar. Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, as descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que compartilhamos...


Saudades até dos momentos de lágrima, da angústia, das vésperas de finais de semana, de finais de ano, enfim... do companheirismo vivido... Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre...

Hoje não tenho mais tanta certeza disso. Em breve cada um vai pra seu lado, seja pelo destino, ou por algum desentendimento, segue a sua vida, talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe... nos e-mails trocados...

Podemos nos telefonar... conversar algumas bobagens. Aí os dias vão passar... meses... anos... até este contato tornar-se cada vez mais raro. Vamos nos perder no tempo...

Um dia nossos filhos verão aquelas fotografias e perguntarão: Quem são aquelas pessoas? Diremos que eram nossos amigos. E... isso vai doer tanto!!! Foram meus amigos, foi com eles que vivi os melhores anos de minha vida!

A saudade vai apertar bem dentro do peito. Vai dar uma vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente... Quando o nosso grupo estiver incompleto... nos reuniremos para um último adeus de um amigo. E entre lágrima nos abraçaremos...

Faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante. Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vidinha isolada do passado... E nos perderemos no tempo...

Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades...

Almany Falcão - Poeta do sol

Dez

 Dez Coisas que Levei Anos Para Aprender


1. Uma pessoa que é boa com você, mas grosseira com o garçom, não pode ser uma boa pessoa.

2. As pessoas que querem compartilhar as visões religiosas delas com você, quase nunca querem que você compartilhe as suas com elas.

3. Ninguém liga se você não sabe dançar. Levante e dance.

4. A força mais destrutiva do universo é a fofoca.

5. Não confunda nunca sua carreira com sua vida.

6. Jamais, sob quaisquer circunstâncias, tome um remédio para dormir e um laxante na mesma noite.

7. Se você tivesse que identificar, em uma palavra, a razão pela qual a raça humana ainda não atingiu (e nunca atingirá) todo o seu potencial, essa palavra seria "reuniões".

8. Há uma linha muito tênue entre "hobby" e "doença mental".

9. Seus amigos de verdade amam você de qualquer jeito.

10. Nunca tenha medo de tentar algo novo. Lembre-se de que um amador solitário construiu a Arca. Um grande grupo de profissionais construiu o Titanic.

Dave Barry

Definitivo

 Definitivo


Definitivo, como tudo o que é simples. Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos,por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos. Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.

Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Por que sofremos tanto por amor? O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável,um tempo feliz.

Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos e vivendo mais!

A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável. O sofrimento é opcional...

Martha Medeiros

Ha momentos

 Há Momentos


Há momentos na vida em que sentimos tanto
a falta de alguém que o que mais queremos
é tirar esta pessoa de nossos sonhos
e abraçá-la.

Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que se quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes
não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor
das oportunidades que aparecem
em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.

O futuro mais brilhante
é baseado num passado intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida
quando perdoar os erros
e as decepções do passado.

A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar
duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar,
porque um belo dia se morre.

Desconhecido

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Tudo Pelo Poder 00

 Introdução

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Se é o destino que decide o que vai acontecer com uma pessoa, então também está dentro da capacidade do andamento da história providenciar para que uma vida tenha origens vergonhosas.

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Quando Jiang Zemin participou de conversas com a delegação provincial de Hubei durante a reunião do Partido Comunista Chinês no Congresso do Povo em 12 de março de 2003, ele disse: “Eu fui o diretor do Instituto Wuhan para Pesquisa de Caldeiras de 1966 a 1970. Isso foi durante o Revolução Cultural… a facção rebelde [sic] examinou cuidadosamente meu dossiê pessoal. [1] Tudo bem, pois provou que tenho um histórico limpo”.

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Talvez o público de Jiang não entendesse qual era seu propósito. Por que Jiang—o secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCC)—precisaria justificar a si mesmo e a sua “ficha limpa”? 

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A razão está na história pessoal de Jiang ser questionável. Seu pai biológico, Jiang Shijun (também conhecido como Jiang Guanqian), foi um traidor que trabalhou para os japoneses durante a ocupação da China. A universidade que Jiang Zemin frequentou, a Universidade Central de Nanjing, era de fato administrada pela ocupação japonesa. Ele inventou a mentira de que seu tio o havia adotado, embora seu tio já estivesse morto nessa época. Enquanto estava na Rússia para treinamento, a certa altura, Jiang teve um caso com uma mulher russa e tornou-se um espião da KGB. E esta é apenas uma pequena parte de um quadro muito maior, pois Jiang é uma história cheia de detalhes feios. Com que base ele poderia reivindicar uma “ficha limpa”? Quando a “facção rebelde” examinou o dossiê de Jiang, eles não podiam saber os tremendos problemas do passado de Jiang que estavam sendo ocultados.

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Em 2005, com muito alarde, Jiang Zemin lançou o livro The Man Who Changed China, uma biografia publicada em inglês e chinês que ele encarregou um empresário americano, chamado Robert Kuhn, de escrever. O livro representou a tentativa pública de Jiang de encobrir a história pessoal que ele escondia há muito tempo.

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O fato de Jiang “se vangloriar demais” é revelador. Na prosa lisonjeira que compõe a biografia de Jiang, nota-se que uma palavra em particular se destaca por sua frequência: patriota. A seção que descreve seu tempo em que frequentou a Universidade Central de Nanjing ocupada pelos japoneses foi, curiosamente, intitulada “I Am a Patriot”. No entanto, o patriotismo é uma questão de dever cívico e quase algo inato, uma lealdade para com a terra que o nutre. Uma pessoa com ficha limpa dificilmente precisa mostrar publicamente seu patriotismo. 

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O simples fato é que o pai biológico de Jiang desertou e trabalhou para a ocupação japonesa. Na última metade da vida de Jiang— mesmo conforme contado pela biografia que ele pediu que outros escrevessem—Jiang foi rápido em evitar falar sobre seu pai. A única coisa mencionada em sua biografia é que “o pai de Jiang morreu em 1973”.

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Jiang afirmou falsamente que foi adotado aos 13 anos pela família de seu tio, o membro do PCC Jiang Shangqing; mas isso teria colocado a adoção de Jiang logo depois que, de todas as coisas, o tio havia falecido. Jiang Zemin se formou na faculdade aos 21 anos. Então, é motivo para perguntar: quem sustentou Jiang entre as idades de 13 e 21? A filha de Jiang Shangqing, Jiang Zehui, disse a Kuhn que sua família vivia em “privações e necessidades intermináveis”. [2] Se fosse esse o caso, quem pagou a custosa mensalidade necessária para que Jiang Zemin freqüentasse um colégio privilegiado e depois a Universidade Central de Nanjing? Quem pagou por seu estudo das artes e da música durante os anos tumultuados e dilacerados pela guerra, que testemunharam uma enorme inflação? Quem possibilitou que ele dirigisse um jipe tão logo depois de se formar na faculdade (conforme aludido por Kuhn)? Em outras palavras, quem mais além de seu pai biológico poderia tê-lo criado? Será que Jiang Shangqing, que falecera cerca de oito anos antes, poderia realmente ter assumido esse papel?

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A realidade é que a vida de Jiang Zemin nada teve a ver com sua suposta família adotiva. Foi só depois que o PCC assumiu o controle da China que Jiang de repente “lembrou” de ter um mártir do PCC (seu tio) na família. Ele inventou um passado em que abandonou seu pai biológico e se tornou o filho adotivo de um homem falecido. Porém, a esta parte da história teremos que retornar mais tarde.

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O que foi dito acima não significa que o caráter ou valor de uma pessoa seja o mero produto de seu histórico familiar. Em vez disso, é para sugerir que podemos começar a descobrir as mentiras de Jiang Zemin examinando seu histórico amplamente fabricado e oculto, bem como seu passado. Nos últimos anos, Jiang levou as coisas mais longe e deu a entender que seu pai—um traidor—era, em vez disso, um herói por sua parte na defesa das tropas japonesas. Nas palavras de seu primo, Zehui, “Minha família era revolucionária”, [3] “os homens de Jiang estavam em guerra” [4] e “todos saíram para se juntar à revolução, lutando contra os invasores japoneses e os nacionalistas chineses”. [5] Para o leitor na China que não conhece os detalhes da história da família de Jiang, tais declarações enganam facilmente. 

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O porta-voz oficial do governo do PCC da China, The People’s Daily, relatou em 11 de dezembro de 1999 que Jiang Zemin e o então líder russo Boris Yeltsin assinaram em Pequim três acordos de fronteira sino-russa. Ainda assim, incrivelmente, a reunião não encontra nenhuma menção na biografia de Kuhn, enquanto trivialidades como onde e quando Jiang cantou uma certa música e detalhes insignificantes sobre reuniões com outros líderes proeminentes estão incluídas. Por que Kuhn omitiu um encontro nacional tão importante quanto a assinatura de um acordo de fronteira com Yeltsin? Naquela reunião, Jiang deu reconhecimento diplomático a todo e qualquer tratado injusto que datava do final da Dinastia Qing—tratados com os quais nenhum antigo governo chinês havia concordado. O que Jiang assinou foi um acordo de traidor absoluto que perdeu os fundamentos legais pelos quais as gerações posteriores poderiam ter reivindicado a terra perdida. O acordo concedeu submissamente à Rússia mais de 1 milhão de quilômetros quadrados de solo fértil—uma terra 30 vezes maior que Taiwan. Vendo que uma força crescente de chineses em todo o mundo tentava responsabilizá-lo por vender o país, Jiang Zemin tentou ousadamente reescrever seu passado. Mal sabia ele o quão autodestrutiva a manobra se revelaria. 

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Em seu livro, Jiang se apresenta como um líder atencioso que estava profundamente preocupado com a vida e o sofrimento do povo chinês. Mas considere por um momento o que Jiang estava fazendo durante as enormes enchentes que atingiram a China em 1998. No início de setembro, quando inúmeras pessoas lutavam contra a enchente e à beira da morte, Jiang convidou atores e atrizes para uma festa no complexo da liderança de Zhongnanhai em Pequim. Kuhn descreveu como, “a ideia de Jiang Zemin de diversão”. Na festa, Jiang cantou duetos com uma cantora de antigas canções de amor russas como, “Moscow Nights”. [6] Somos informados de que em uma explosão de emoção ele se juntou à multidão cantando “The Ocean Is My Home”. Kuhn elabora que foi “especialmente Jiang” quem foi tomado pelo momento, parecendo “desprovido de inibições artísticas”. [7] Que irônico. Enquanto o povo da China lutava desesperadamente contra as enchentes, como as do oceano, Jiang estava cantando “The Ocean Is My Home” na companhia íntima de mulheres em Zhongnanhai. Infelizmente, não é de se surpreender que Jiang, uma pessoa disposta a esconder um histórico de traição para obter cargos de alto escalão, tenha pouca preocupação com a vida de seus cidadãos. 

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No trabalho de Kuhn, Jiang surge como um exemplo de vida frugal e de luta contra a corrupção. Ainda assim, embora o aumento da corrupção que atingiu a China nos últimos anos seja bem conhecida, poucos percebem que a raiz do problema está em ninguém menos que Jiang Zemin e sua família. Foi assim que seus filhos, sem habilidades e qualificações, conseguiram construir para a família de Jiang um rico império. Eles são, pode-se dizer, “regiamente corruptos”. Há muito tempo, há rumores de que Jiang foi em uma noite de neve entregar um bolo de aniversário para a amante do ex-presidente da China, Li Xiannian. Li tinha convidados na época, então Jiang esperou do lado de fora por horas em uma demonstração de lealdade. A história é completamente bizarra e não pode ser comprovada. Por alguma razão estranha—talvez uma consciência culpada?—em sua biografia, Jiang tenta defender sua entrega do bolo, o que na verdade serve apenas para confirmar a estranha história. Jiang diz a seus leitores que ele estava se preocupando com sua liderança e que o bolo era “o último bolo do hotel”. [8] Ele também afirma que seu objetivo era chegar a um consenso e “construir relacionamento com as pessoas certas”. [9] Supondo que aceitemos essa versão, então é tão bom como dizer que a China está livre de corrupção ou suborno—nem todo ato desse tipo é apenas uma questão de “cuidar da liderança” ou “chegar a um consenso e construir relacionamento”? Isso equivaleria a legitimar a corrupção.

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A rápida ascensão de Jiang Zemin na hierarquia de poder dependia de duas coisas. Uma era inventar a história de sua família de mártir, que deu a Jiang dois aliados políticos, Wang Daohan e Zhang Aiping; ambos promoveriam Jiang mais tarde e novamente. Notavelmente, os dois eram amigos do tio de Jiang. A segunda era sua capacidade de persuadir superiores e ganhar o favor dos anciãos do Partido. Em última análise, foram essas duas características que permitiram a Jiang roubar o trono.

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Depois de chegar ao poder, Jiang Zemin buscou os holofotes e, assim, começou as travessuras como dançar e cantar durante intercâmbios diplomáticos internacionais. Que essas palhaçadas vão contra o protocolo diplomático e traem a dignidade da China parece muito distante da mente de Jiang. Foi por meio disso, o enfraquecimento da honra da China, que Jiang ganhou o apelido de “palhaço”. Durante uma reunião com o rei da Espanha, ele pegou um pente e começou a se preparar, alheio a todos os espectadores. Em uma ocasião, quando ele deveria receber uma medalha, ele mal podia esperar e arrebatou a medalha, adornandose com ela. Uma vez, no meio de um jantar oficial, ele repentinamente convidou a primeira-dama de um país estrangeiro para dançar. Ele pulou da cadeira para cantar “O Sole Mio” e começou a tocar uma melodia de piano, fixando seus olhos lascivos nas senhoritas. Sua palhaçada o tornou motivo de chacota na imprensa ocidental. Ou apenas considere suas reuniões com o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton. Jiang visitou os Estados Unidos em 1993 e 1997, e Clinton visitou a China em 1998. Cada vez que se encontravam, Jiang tocava algum instrumento musical ou cantava. Depois de se apresentar, ele sempre pedia que Clinton tocasse saxofone, o que Clinton recusou expressivamente, apesar de ser um virtuoso. Em 1997, durante a visita de Jiang aos Estados Unidos, um jornalista levantou a questão do Tibete em uma entrevista coletiva. Jiang abruptamente lançou uma versão de “Home on the Range”, para espanto do público. O Jiang clássico é a recitação frequente do exlíder do Discurso de Gettysburg de Abraham Lincoln. Seja conversando com estudantes, fazendo entrevistas com a imprensa ou mesmo quando faz visitas ao exterior, Jiang encontra ocasião para recitar o Discurso. Quando pedem, ele o recita obedientemente; quando não pedem, ele recita do mesmo jeito. Dificilmente a figura do soberano de uma nação pode ser feita aqui.

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Ainda mais absurda é a obsessão de Jiang em falar línguas estrangeiras. Antes de uma visita à América Latina, Jiang—sem se importar com sua idade e negligenciando assuntos nacionais importantes—passou vários meses fazendo um curso intensivo de espanhol. Jiang agia como um palhaço que, colocado acidentalmente em um trono, pouco podia fazer para mudar sua natureza vistosa. Na versão chinesa de sua biografia, ele raciocina: “Se você não consegue se comunicar com outra pessoa por causa das diferenças de idioma, como você pode trocar ideias ou chegar a um acordo?” Mesmo assim, o bom senso diz que habilidades desajeitadas em línguas estrangeiras dificilmente seriam suficientes para permitir a Jiang trocas mais expressivas ou dinâmicas. Muitos chefes de Estado falam suas respectivas línguas nativas e empregam um intérprete. Isso quer dizer que eles não podem chegar a um acordo em suas trocas diplomáticas? 

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Talvez devido ao fato de os líderes das nações comunistas serem tipicamente conservadores, muitos líderes ocidentais consideram este “excitável” Jiang Zemin uma raça diferente do Partido e acham suas atuações mais divertidas.

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Líderes com verdadeiro talento e grande visão não perdem seu tempo e energia com tais palhaçadas. A razão de Jiang Zemin ser tão alegre e “excitável” tem a ver com suas habilidades serem tão escassas quanto as do fantoche de algum show de vaudeville. Os políticos ocidentais estenderam o tapete vermelho para Jiang não tanto por seus talentos, mas pelos contratos em seu bolso e as perspectivas de explorar o vasto mercado consumidor da China. O recente progresso econômico da China foi impulsionado por mais de US$ 500 bilhões em investimento estrangeiro, combinado com uma força de trabalho notavelmente industriosa—e barata. Com investimentos tão massivos, mão de obra barata e tantos chineses talentosos envolvidos, é claro que a produção é alta. Mas isso não é crédito de Jiang. Ao contrário, a incompetência, imperiosidade, inveja e conservadorismo político de Jiang resultaram na cessação da reforma política na China, juntamente com um declínio dos valores morais e corrupção galopante. O resultado é que qualquer que seja o progresso econômico alcançado, ele foi feito à custa de enormes recursos e em detrimento da ecologia, do meio ambiente e da própria sociedade. Na verdade, a prosperidade econômica superficial da China veio às custas da sustentabilidade ambiental. Jiang prejudicou o futuro da nação, suspendeu ou até mesmo atrasou a reforma política da China e levou a novos patamares os abusos dos direitos humanos e a falta de liberdade de crença. Para colocá-lo em um contexto histórico, o reinado de Jiang acabará por ser visto como escandaloso; tão grandes são as dívidas que ele contraiu para o povo da China.

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Conforme Jiang foi retratado por Kuhn, ele era um bom solucionador de problemas. Mas, como os fatos indicam, sempre que surgia uma crise—sejam inundações, o bombardeio da embaixada chinesa em Belgrado, eleições democráticas em Taiwan ou a epidemia de SARS—Jiang sempre empurrava outras pessoas para a linha de frente e covardemente ficava atrás. Quando o SARS estava se espalhando em Pequim, Jiang temeu tanto por sua vida que fugiu para Xangai em busca de refúgio. Mas na versão chinesa de sua biografia, ele afirma que “esteve o tempo todo em Xangai”, para encobrir sua fuga. Verdade seja dita, poucos dias antes de seu vôo, Jiang estava em Pequim para falar no Congresso do Povo e na Conferência Consultiva Política do Povo. Que motivo ele usa para “ficar em Xangai o tempo todo” para se isentar? 

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Quando ele não está construindo sua própria facção política ou viajando para cantar e se exibir, o que Jiang Zemin colocou em seu coração e considera mais urgente é perseguir o Falun Gong. Embora o mundo exterior possa saber que Jiang chegou ao ponto de distribuir panfletos que denunciavam o Falun Gong em reuniões diplomáticas, poucos estão cientes da rápida resposta de Jiang à interceptação de sinais de TV por vários praticantes do Falun Gong. Em 5 de março de 2002, os praticantes do Falun Gong interceptaram programas de TV a cabo em oito canais diferentes na cidade de Changchun e transmitiram 45 minutos de informação sobre a perseguição ao seu grupo. Ao relembrar aquela noite, o livro de Kuhn cita um amigo próximo de Jiang em Changchun. O amigo disse que 10 minutos após o fim da interceptação de TV (às 21h10), um furioso Jiang Zemin ligou e disse: “Os praticantes do Falun Gong estão transmitindo no sistema a cabo de Changchun!” “Quem é o secretário ou prefeito do Partido na sua cidade?” [10] A resposta rápida de Jiang ao incidente—que aconteceu em uma cidade longe de Pequim—e sua tentativa imediata de intimidar o secretário municipal do comitê do Partido sugerem que Jiang foi de fato o mentor da perseguição ao Falun Gong; que ele recebeu instruções diretas sobre o caso; e que foi ele quem deu as ordens. Em contraste, quando a embaixada chinesa em Belgrado foi bombardeada, Jiang Zemin ficou dias sem ser visto.

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Em sua biografia, Jiang tenta falar em sua própria defesa, sendo seu principal recurso citar a si mesmo de forma a projetar qualquer imagem que deseje, por sua vez embelezando as coisas. No entanto, qual oficial chinês que foi condenado por corrupção que não alegou em muitas reuniões que ele “combate a corrupção”? Ações falam muito mais alto que palavras. E isso é verdade para uma figura persuasiva, de cantoria galante como Jiang Zemin.

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A falta de respeito filial de Jiang por seu pai biológico, sua falta de lealdade às suas organizações e sua falta de honestidade com o povo o tornam “indelicado, injusto, indigno, insensato e indigno de confiança” [11] —um palhaço que trouxe desastre para a nação da China. Permitir que gente como Jiang Zemin se inflasse reescrevendo a história é um desserviço para a posteridade. 

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Se poderia dizer que a biografia de Jiang é paralela à sua vida: é cheia de mentiras e repleta de contradições.

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Se quisermos ser uma geração que testemunhe a história, retornar o verdadeiro Jiang Zemin à história é uma responsabilidade que não devemos fugir.

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Tudo Pelo Poder 08

 Capítulo 8 Apoderando-se de Pequim ao expulsar seu prefeito, Chen Xitong; intimidando Taiwan com mísseis (1995–1996)

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Na 4ª Sessão Plenária de seu 14º Congresso, o PCC anunciou a conclusão de sua transição de poder de sua segunda geração de líderes para a terceira. Na época, a saúde de Deng Xiaoping estava em declínio constante. No 14º Congresso, Deng minou sua própria base de poder, pedindo aos partidários de longa data Yang Shangkun e seu irmão que renunciassem ao serviço militar. Jiang Zemin, que era presidente da Comissão Militar do PCC, embora nunca tivesse tocado em uma arma, temia terrivelmente que os militares não o seguissem como seu líder. Vendo que outros membros seniores do partido estavam em uma posição enfraquecida e sabendo que ele, de fato, tinha seguidores nas forças armadas, Jiang passou a se concentrar no governo municipal de Pequim—uma importante frente de batalha política.

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Pequim sempre foi alvo de lutas pelo poder. Sem controlar a guarnição de Pequim, o governo municipal de Pequim e o regimento da Guarda de Segurança Central, um importante líder do PCC nunca poderia se sentir seguro. Antes da Revolução Cultural, quando Mao Tsé-Tung era adorado de maneira idólatra, o secretário municipal do Partido em Pequim na época, Peng Zhen, ousou ordenar que o Diário do Povo, o Diário de Pequim e o Diário de Guangming não publicassem o artigo de Yao Wenyuan “Novo Drama da História: Hairui renuncia ao cargo do governo”. Mao TséTung teve que pedir a seus seguidores leais em Xangai que publicassem o artigo como um livreto separado, dizendo que Pequim havia se tornado um reino independente que “as agulhas não podem penetrar e a água não pode penetrar”. No final de março de 1966, antes do lançamento oficial da Revolução Cultural em 16 de maio, Mao primeiro destituiu do cargo Peng Zhen (Secretário do Partido em Pequim) e Lu Dingyi (Ministro da Propaganda). Até mesmo Mao Tsé-Tung, o presidente do Partido para quem “uma sentença [era] equivalente a dez mil”, precisava controlar Pequim antes que pudesse realmente realizar muito. Foi por esse motivo que Jiang ficou ansioso para conquistar Pequim. 

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1. Fazendo inimigos com Chen Xitong Na seleção de quadros, Jiang tinha apenas um princípio: aqueles que não fossem leais a ele não seriam usados. Pode-se imaginar que tipo de administração isso representaria. Quando Chen Xitong era prefeito de Pequim, a cidade sediou com sucesso os Jogos Asiáticos de 1990 e concluiu a construção do segundo e do terceiro anel viário, melhorando consideravelmente a infraestrutura da cidade. Em comparação, sob o governo de Jiang, a cidade de Xangai, em vez de fazer melhorias, passou por uma crise alimentar dois anos depois que Jiang se tornou o chefe da cidade. Deng Xiaoping teve de enviar a Xangai o capaz Zhu Rongji para ajudar. Sobre a questão do Massacre na Praça Tiananmen, Chen sugeriu ações ousadas e agiu com consistência enquanto Jiang vacilava. E, embora Jiang tenha tomado uma posição firme ao fechar o jornal liberal de Xangai, World Economic Herald, mais tarde ele confidenciou a Zhao Ziyang que a repressão estava errada. Chen acreditava que deveria ser recompensado com uma promoção (de seu posto como membro do Politburo) por ter preservado a “ordem social” em Pequim durante o movimento estudantil. Quando Jiang foi promovido, Chen naturalmente sentiu que era injusto. Chen tinha um bom relacionamento com Deng, e Deng o elogiou abertamente como um reformador durante sua visita de 1992 à Capital Steel Plant. Assim, Chen tinha motivos para acreditar que estava acima de Jiang. Jiang, portanto, sentiu que para obter o controle total de Pequim, seu maior obstáculo era Chen. 

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Jiang gosta de se exibir e é um homem ciumento por natureza. Se alguém o desprezar, ele certamente retaliará. Jiang odiava e temia Chen ao mesmo tempo. Havia muitos motivos para Jiang não tolerar Chen, o primeiro dos quais aconteceu quando Chen convidou Hu Qili, um seguidor de Zhao Ziyang, para jantar.

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Depois de se tornar o “imperador” da China, Jiang não poupou despesas para remover qualquer um que tivesse seguido Zhao Ziyang. Jiang acreditava que quanto mais ele se distanciasse de Zhao, mais legítima seria sua posição. A resistência de Jiang a Zhao era tal que os fatos reais sobre Zhao e a história não importavam. No dia de sua posse como Secretário Geral do PCC, Jiang afirmou que queria compensar “as perdas” criadas por Zhao, e nunca mencionou uma palavra sobre as contribuições de Zhao (durante sua gestão como Premier e Secretário Geral ) para o desenvolvimento econômico e a reforma política da China.

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Jiang sabia que o povo chinês guardava um lugar especial em seus corações para Zhao. A atitude de Zhao em relação à supressão do movimento estudantil pela democracia era claramente diferente da de muitos políticos seniores e membros do Partido em vários níveis de governo. Isso deu a Zhao uma aura de sinceridade, como se falasse pelo povo e o fizesse sem se preocupar com sua própria segurança pessoal. Durante o tempo de Zhao como Secretário Geral, tanto o Produto Interno Bruto (PIB) da China quanto o padrão de vida melhoraram rapidamente. Muitas pessoas ficaram gratas a Zhao por isso. Considerando a aprovação pública e as conquistas políticas de Zhao, Jiang tinha poucas chances de manter seu posto—que na verdade ele havia roubado de Zhao—se Deng algum dia pedisse a Zhao para retornar ao poder.

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Depois de ganhar o poder, Jiang começou a punir—sob a bandeira de resistir a uma suposta tentativa do Ocidente de mudar discretamente a China—reformadores e aqueles que tinham laços estreitos com Zhao. Um desafiador Chen Xitong, no entanto, foi contra a cruzada de Jiang.

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Quando Zhao caiu do poder com ele foram Hu Qili, um membro do Comitê Permanente do Politburo, e Rui Xingwen, o Secretário do Secretariado do Comitê Central do PCC. Esses três foram os oficiais de mais alto escalão destituídos em conexão com o massacre. Em vez de tentar evitar problemas, Chen organizou um encontro secreto com Hu Qili e Wan Li no Capital Hotel. Chen não apenas compareceu à reunião, como chegou ao ponto de cumprimentar Hu na entrada do prédio. 

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A coincidência cria uma história, então uma ruga na reunião merece ser contada. Chen pensou que havia planejado tudo perfeitamente. Mal poderia ele esperar que fossem os japoneses, de todas as coisas, que vazariam a notícia de sua reunião. Acontece que naquela noite jornalistas de várias estações de televisão e agências de notícias japonesas, que estavam estacionadas em Pequim, se reuniram no restaurante japonês do hotel. Um deles por engano entrou na sala privada de Chen e viu Hu, Wan e Chen jantando e bebendo juntos. Chen confundiu o jornalista com um empresário japonês e não prestou muita atenção. No dia seguinte, porém, o jornalista japonês relatou em um jornal japonês o que havia visto. Três dias depois, o departamento de referência interna da Agência de Notícias Xinhua passou a informação para Jiang Zemin na seção “Resumo de Notícias Domésticas” de sua circular interna. O caso pegou Jiang de surpresa e gerou muita raiva. Jiang ficou surpreso, pois o experiente e capaz Chen havia se juntado a Hu, e irritado, pois Chen estava claramente indo contra ele ao ousar se socializar pelas costas com os seguidores de Zhao, dos quais ele mais se ressentia. Jiang não sabia dizer se isso fazia parte de um plano de Deng Xiaoping para pavimentar o caminho, primeiro reintegrando Hu, para o retorno de Zhao ao poder. Ele imediatamente ordenou que o Comitê Disciplinar Central investigasse mais o assunto. Depois que o gerente do Capital Hotel confirmou a reunião de Chen, Jiang fez uma ligação pessoal para Chen acusando-o de “tomar a posição errada”. Chen deu a desculpa de que Wan Li havia solicitado a reunião e que, portanto, ele não tinha escolha a não ser organizá-la. 

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Jiang não se atreveu a ofender Wan, então teve que manter sua raiva para si mesmo. Mais tarde, Deng de fato pediu a Hu que voltasse ao seu posto, confirmando assim o relacionamento próximo de Wan com os seguidores de Zhao. Como Jiang temia mais do que qualquer coisa que Zhao recuperasse o poder, seu ressentimento por Chen só aumentou com o incidente. 

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Mas antes que o ressentimento persistente de Jiang pudesse ser resolvido, um novo rancor foi adicionado. Deng Xiaoping, na primavera de 1992, fez sua agora famosa “Viagem pelo Sul” da China. Chen sabia o tempo todo que a intenção de Deng era promover reformas e, portanto, Chen exibiu slogans pró-reforma em meio à programação da Televisão de Pequim e aproveitou todas as oportunidades para defender a reforma. Isso agitou Jiang, que ficou do lado de políticos conservadores e de esquerda, como Chen Yun e Li Xiannian. Para evitar que a infelicidade de Deng com ele vazasse para a mídia, Jiang ordenou que toda a cobertura da turnê de Deng pela mídia estatal deveria seguir um “padrão de reportagem unificado” ditado pelo Ministério da Propaganda. Jiang declarou que nenhum repórter poderia escrever nada sobre o assunto sem seu consentimento. Para a surpresa de Jiang, Chen deu o primeiro passo. Chen fez com que o Diário de Pequim, controlado pelo Governo Municipal de Pequim, relatasse rapidamente o “espírito do discurso de Deng Xiaoping no sul da China”. Seguindo as instruções de Chen, o Diário de Pequim publicou o discurso de Deng que apareceu pela primeira vez no Shenzhen Daily. O Diário de Pequim publicou o discurso um dia antes do Diário do Povo, o jornal oficial do PCC. Isso colocou Jiang em uma posição defensiva. Para Jiang, as palavras e ações próreforma de Chen apenas destacaram a própria inflexibilidade e conservadorismo de Jiang. Por isso Jiang ressentiu-se ainda mais com Chen.

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Logo depois, Zhou Guanwu, presidente do conselho da Capital Steel, e Chen combinaram que Deng visitasse a Capital Steel. Durante a visita, ninguém do Comitê Permanente do Politburo apareceu. Na frente de muitos líderes e trabalhadores da Capital Steel, Deng disse: “Quanto às coisas que eu disse recentemente, algumas pessoas estão ouvindo e outras não. Pequim se mobilizou, mas alguns no governo central ainda se recusam a agir”. Deng pediu a Chen para “passar a palavra” ao Comitê Central do PCC que, “Quem se opor às políticas do 13º Congresso Nacional do PCC terá que renunciar”. Ao ouvir as palavras de Deng, Jiang estremeceu, quase como se um trovão estivesse rolando sobre sua cabeça. 

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Tomado pelo medo, Jiang então passou pelo Escritório Geral do Comitê Central para culpar Chen por não notificá-lo sobre a visita de Deng com antecedência. Chen respondeu que o Escritório Geral deve buscar informações sobre as atividades de Deng no próprio escritório de Deng, em vez de culpar Pequim. Rejeitado e irritado, Jiang ficou ainda mais determinado a remover Chen. 

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Quando Chen era prefeito de Pequim, Jiang era o secretário do Partido em Xangai. Chen estava, portanto, como líder de Pequim, muito mais bem informado do que Jiang. Jiang sabia muito bem que Chen tinha um bom relacionamento com Deng Xiaoping e Li Peng. Naquela época, Jiang era, portanto, só sorrisos sempre que encontrava Chen. Durante seus primeiros dois anos como secretário-geral do Partido, Jiang cuidaria de seu comportamento e pelo menos mostraria respeito por Li Peng. Mas depois que os irmãos Yang foram removidos de seus cargos no 14º Congresso do Partido, Jiang ficou cada vez mais arrogante.

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Chen testemunhou as mudanças em Jiang e sabia que seu encontro com Hu Qili e suas ações em relação à Viagem ao Sul de Deng o tornaram um inimigo. Na opinião de Chen, Jiang era o tipo de pessoa que absolutamente não podia deixar alguém escapar, mesmo com a menor das provocações. Ele tinha ouvido falar da retaliação de Jiang contra os estudantes que o desafiaram durante o movimento estudantil de 1986 em Xangai. Assim, Chen agora esperava, tendo ofendido Jiang e desejando se proteger, removê-lo de seu posto enquanto Deng ainda estava vivo. 

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Assim, no início de 1995, Chen relatou sobre Jiang em uma carta a Deng co-assinada por sete chefes provinciais do Partido. O conteúdo da carta ainda é desconhecido para o mundo exterior. Deng não fez nenhum comentário após ler a carta e entregou-a a Bo Yibo para cuidar. Antes do Massacre de Tiananmen, quando os oito políticos importantes discutiram a questão do sucessor de Zhao Ziyang, Deng queria escolher Li Ruihuan ou Qiao Shi. Foi Bo Yibo quem apoiou fortemente Jiang Zemin. Deng já havia alcançado uma idade avançada e não tinha energia para mudar o secretário-geral; de outra forma, ele o teria feito ao retornar de sua viagem em 1992. O fato de Deng ter passado a carta de Chen para Bo Yibo pretendia sugerir que tipo de pessoa Deng recomendou para o cargo—alguém diferente de quem Bo escolheria ou escolheu, é claro. 

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Bo era notório entre os oficiais de alto escalão por seus maus tratos aos outros, oportunismo, ingratidão e duplicidade. Uma demonstração disso foi o relacionamento de Bo com Hu Yaobang. Em 1979, alguns anos após a Revolução Cultural, Bo foi reabilitado e libertado da prisão graças a Hu. Mais tarde, na 4ª Plenária do Comitê Central do 11º Congresso do Partido, Bo, mais uma vez graças ao endosso de Hu, tornou-se membro do Comitê Central, Vice-Premier do Conselho de Estado, Conselheiro de Estado e Vice-Diretor do Comitê Consultivo do PCC. No entanto, em 15 de janeiro de 1987, durante uma reunião prolongada do Politburo que ele presidia, foi ninguém menos que Bo quem instou Hu a renunciar.

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Depois de ler a carta acusatória de Chen, Bo, em vez de investigar Jiang mais profundamente, ficou feliz por ter algo que pudesse usar contra Jiang. A carta, ele acreditava, agora lhe dava meios para manipular o poder de Jiang. Bo agora podia chantagear Jiang para promover seu filho, Bo Xilai, junto com o círculo de amigos de confiança de Bo.

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Bo então chamou Jiang ao seu lado e entregou-lhe a carta, sem dizer uma palavra. Jiang começou a suar e empalideceu ao ler a carta acusatória, visivelmente abalado. Consta que ele até começou a tremer. Jiang implorou a Bo para apresentar algumas boas palavras a Deng em seu nome, permitindo-lhe manter seu posto de secretário-geral. Bo respondeu que faria o melhor. Ele então instruiu Jiang que Jiang deveria remover Chen Xitong a fim de evitar problemas posteriores, e que ele deveria começar com aqueles posicionados ao redor de Chen. Jiang concordou enfaticamente com “sim”. O rápido avanço do filho Bo Xilai pelas posições de poder alguns anos depois resultou exclusivamente deste caso—isto é, o relacionamento especial de seu pai com Jiang. 

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Tudo Pelo Poder 07

 Capítulo 7: Deng visita o sul almejando uma economia aberta; Jiang vence os irmãos Yang e toma o poder (1992-1994)

Deng Xiaoping perdeu seus principais defensores da política de reforma e abertura após a remoção de Hu Yaobang e Zhao Ziyang. Jiang Zemin, no cerne da “Liderança de Terceira Geração”, não apenas não promoveu um programa de reforma e abertura, como também chegou ao ponto de criticar a teoria. Deng passou a acreditar que não tinha escolha a não ser fazer lobby a favor da política ele mesmo. Foi assim que um velho e frágil Deng, com a ajuda de sua filha, fez uma viagem especial ao sul da China em 1992 para promover um programa de reforma e abertura até então interrompido.

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Em 17 de janeiro de 1992, um trem especial partiu de Pequim, acelerando para o sul. No trem estava Deng Xiaoping, então com 88 anos, acompanhado por sua esposa, filha e um velho amigo—o presidente da China, Yang Shangkun. De 18 de janeiro a 21 de fevereiro, Deng viajou por Wuchang, Shenzhen, Zhuhai e Xangai, fazendo o que mais tarde ficou conhecido como “Viagem ao Sul de Deng Xiaoping”.

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A razão direta da Viagem ao Sul de Deng foi a promoção de políticas de extrema esquerda de Jiang Zemin (conservadoras, linha-dura) que se opunham às reformas. E foi Jiang quem, mesmo após a turnê de Deng, evitou relatar os discursos feitos por Deng durante a turnê. De todas as coisas, porém, após a turnê de Deng, Jiang assumiu descaradamente o crédito pelas reformas que ocorreram. O fato é que naquele ano as pessoas que mais ajudaram Deng na promoção de reformas e abertura foram os irmãos Yang Shangkun e Yang Baibing, ambos detentores do poder militar. Após a turnê, a figura que teve o papel mais importante na formação da economia da China não foi Jiang, mas Zhu Rongji. Com a 14ª Sessão Plenária do Congresso Nacional do PCC, os irmãos Yang perderam sua influência nas forças armadas e logo se tornaram oponentes de Jiang. Jiang aparentemente percebeu isso: Jiang não só se juntou a Zeng Qinghong para matar Yang Shangkun em 1998, como também, novamente com a ajuda de Zeng, queria Yang Baibing morto perpetuamente. A antipatia de Jiang pelos irmãos Yang ia além dos rancores pessoais até incluir inveja pelas realizações dos irmãos. Jiang viu os irmãos Yang como um obstáculo para receber o crédito pelo programa de reformas bem-sucedido de Deng.

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1. Ultimato de Deng Xiaoping Em 18 de janeiro de 1992, Deng Xiaoping chegou a Wuchang para se encontrar com Guan Guangfu, secretário do Comitê Provincial do PCC em Hubei, e Guo Shuyan, governador da Província de Hubei, marcando o início de sua Viagem ao Sul. Durante a reunião, Deng nomeou diretamente Jiang Zemin e pediu a Guan e Guo que passassem uma mensagem ao Comitê Central do PCC: “Quem se opõe às políticas do 13º Congresso Nacional do PCC terá que renunciar”. Jiang achou a mensagem muito irritante, embora tenha optado por não expressar seu ressentimento. Por algum tempo, Jiang não expressou apoio de qualquer tipo para os discursos de Deng na Viagem ao Sul. 

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No dia 19, o trem de Deng chegou à Zona Econômica Especial de Shenzhen. Deng, embora normalmente fosse um homem de poucas palavras, fez um longo discurso no qual claramente emitiu um ultimato a Jiang: “Reforma e abertura é a tendência dos tempos, que ganhou o apoio de todo o Partido e da população em toda a nação. Quem não fizer parte das reformas terá que renunciar”. Junto com isso, Deng fez Yang Shangkun e Wan Li arranjarem uma lista de pessoas identificadas como “líderes” para o 14º Congresso Nacional do PCC (a ser realizado no final de 1992); a lista incluía candidatos para o próximo secretário-geral do partido. Durante a viagem, Deng foi acompanhado por Yang Shangkun, que era um amigo próximo e ao mesmo tempo presidente da China e primeiro vice-presidente da Comissão Militar Central. Na excursão, Deng encontrou-se individualmente com pessoas como Qiao Shi, Liu Huaqing, Ye Xuanping, Zhu Rongji e Yang Baibing. A abordagem de Deng sugeria duas coisas. Por um lado, sugeria que Deng estava trabalhando duro para angariar apoio para seu programa de reforma e abertura. Em segundo lugar, porém, exibiu da intenção de Deng de promover Qiao Shi e remover Jiang Zemin.

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Na viagem, Deng mencionou repetidamente as “notáveis realizações de Zhao Ziyang na aceleração do desenvolvimento” durante seus cinco anos de gestão da economia. Após a Viagem ao Sul Deng não desistiu, novamente enviando pessoas para contatar Zhao Ziyang. Mas Zhao ainda se recusou a admitir qualquer “erro” nesta parte em lidar com o movimento pela democracia estudantil. Tanto antes quanto depois de sua viagem, Deng enviou muitas pessoas para falar com Zhao, mas Zhao manteve sua posição e insistiu que não estava errado. Zhao honrou sua consciência, ao contrário da linha do Partido—algo raro no Partido Comunista. 

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Nos dois anos após se tornar secretário-geral do PCC, Jiang Zemin executou políticas de extrema esquerda e trabalhou para desenvolver essas estratégias destinadas a conter a suposta tentativa do Ocidente de “transformar pacificamente” o regime comunista. As palavras de Deng Xiaoping, “Qualquer pessoa que não fizer parte das reformas terá que renunciar”, atingiram um ponto sensível em Jiang. Na manhã de 20 de fevereiro, Jiang realizou uma reunião ampliada do Politburo na qual transmitiu o discurso de Deng. Quando uma série de discursos de Deng foram transmitidos a todo o Partido como documentos do Comitê Central do PCC, Jiang removeu muitas passagens, usando a desculpa de que causariam “instabilidade ideológica entre os quadros dentro do partido”. O mais notável foi o corte de passagens como, “Reforma e abertura é a tendência da época, que ganhou o apoio de todo o Partido e do povo em toda a nação. Quem não fizer parte das reformas terá que renunciar”. Jiang chegou ao ponto de proibir a mídia de relatar detalhes da Viagem ao Sul de Deng, fazendo com que a maioria das pessoas na China não soubesse nada sobre a viagem.

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Um dia, no final de fevereiro de 1992, Li Ruihuan, membro do Comitê Permanente do Politburo e o homem encarregado da ideologia entre os membros do Partido, perguntou a Gao Di, chefe do Diário do Povo: “Por que o Diário do Povo não tem noticiado sobre os discursos Deng da Viagem ao Sul? Por que eles (os repórteres do jornal) não agem?”. Confiante e ousado, Gao Di respondeu com uma pergunta: “O camarada Xiaoping agora é apenas um membro comum do Partido. Eu me pergunto de que perspectiva podemos retratá-lo em uma reportagem?”. Foi sabendo que tinha Jiang Zemin com quem contar que Gao ousou contradizer Li. Mas o que Gao não percebeu foi que a posição de Jiang como secretário-geral foi de fato concedida a ele por Deng Xiaoping. Deng, que tinha o apoio dos militares, poderia rescindir a nomeação a qualquer momento. 

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2.Um tolo assustado De 20 de março a 3 de abril de 1992, Pequim realizou a 5ª Sessão do 7º Congresso Nacional do Povo (NPC). A reunião se concentrou na implementação de reformas. Sobre a questão de Jiang cortar partes dos discursos de Deng na Viagem ao Sul, os militares—os pesos-pesados nas lutas políticas—se manifestaram. No Congresso, Yang Baibing—que era secretário do Secretariado do Comitê Central do PCC, secretário Geral da Comissão Militar e diretor do Departamento Político Geral das Forças Armadas—foi o primeiro a expressar apoio a Deng. Yang gritou: “Proteja as reformas e a abertura”. Junto com isso, Yang pediu diretamente ao Diário do Exército de Libertação do Povo para publicar um editorial intitulado “Proteja as reformas e a abertura”. A peça foi significativa na medida em que articulou publicamente a posição do campo de reforma, para “responder firmemente ao apelo do camarada Xiaoping e proteger as reformas e a abertura” e assumiu uma posição pública em apoio a Deng. He Qizong, Chefe Adjunto do Estado-Maior General do Exército de Libertação Popular (ELP), foi o primeiro do Departamento de Estado-Maior a responder. O apelo de Yang para “Proteger as reformas e a abertura” tinha como alvo direto Jiang Zemin. Daquela época em diante, Jiang sentiu um profundo ressentimento contra Yang e He. Mais tarde, Jiang os retiraria do poder.

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Em 26 de março—uma data que caiu durante a reunião do NPC— um jornal, Shenzhen Special Economic Zone Daily, publicou um extenso artigo intitulado “Um vento oriental traz a primavera— relatórios sobre o camarada Deng Xiaoping na cidade de Shenzhen”. Esta foi a primeira publicação a divulgar a Viagem ao Sul de Deng e seus importantes discursos. Na tarde daquele mesmo dia, o Yangcheng Notícias da Noite publicou uma reimpressão de quase todo o artigo do Zona Econômica Especial de Shenzhen, algo muito improvável. Então, em 28 de março, o Diário de Wenhui de Shanghai e o China Business Times publicaram o texto completo do artigo. Dois dias depois, em 30 de março, a Xinhua News Agency—uma agência estatal sob o controle de Jiang – também publicou o artigo na íntegra. O fato de a Xinhua publicar o artigo cerca de quatro dias depois de sua primeira aparição no Shenzhen Special Zone Daily refletia a relutância de Jiang. 

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Yang Baibing tomou uma posição em nome dos militares, apoiando publicamente os discursos de Deng na Viagem ao Sul e, por sua vez, os militares deram a Deng seu apoio mais forte. O poderoso apoio do PLA assustou aqueles que se opunham à reforma. A maré mudou de repente. Chocado e perturbado, Jiang sentiu que os militares estavam atrás dele. Jiang, ainda cambaleando, usou um truque político de duas caras quando se encontrou com os japoneses em 1º de abril: ele afirmou que concordava com os discursos de Deng. Deng interpretou o comentário de Jiang como uma conversa fiada, acreditando que havia pouca sinceridade por trás das palavras. 

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Faltavam apenas alguns meses para o 14º Congresso Nacional do PCC. Yang Baibing jogou a carta militar cujo impacto foi considerável sobre os níveis superiores do PCC. A situação política em Pequim era perigosa e imprevisível. Depois da Viagem ao Sul de Deng, a falta de visão de Jiang Zemin e o fato dele ter ficado em cima do muro levou Deng ao limite de sua paciência. Em 22 de maio, apesar do calor em Pequim na época, Deng visitou o Grupo Shougang—uma das maiores siderúrgicas da China. Na frente dos trabalhadores e dirigentes da empresa, ele reclamou: “Sobre minhas palavras, algumas pessoas são descuidadas, outras silenciosas. Elas realmente se opõem a elas e discordam. Apenas um pequeno número de pessoas realmente age”. Deng então pediu aos líderes de Pequim Li Ximing e Chen Xitong, que o acompanharam até o local, que “transmitissem esta mensagem ao Comitê Central”. Por “Comitê Central”, Deng obviamente se referia a Jiang. 

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Durante esse período, Qiao Shi—que era membro do Comitê Permanente do Politburo, Secretário do Comitê de Assuntos Políticos e Legislativos, e Diretor da Escola Central do Partido— apontou muitas vezes que as reações aos discursos de Deng não deveriam ser simplesmente questões de “gabar-se e de conversa fiada”. Era a maneira de Qiao criticar Jiang indiretamente. O vicepremiê Tian Jiyun expressou em certos termos seu apoio às reformas de Deng. 

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A pedido de Qiao Shi, Tian Jiyun fez um discurso na Escola do Partido do Comitê Central do PCC em maio de 1992 criticando Jiang Zemin, embora não pelo nome. Ele disse:

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“Ao eliminar as ‘influências’, devemos estar atentos para aqueles que são duas caras. Essas pessoas vão virar as palmas das mãos para cima para as nuvens e para baixo para a chuva. [1] Elas falam em termos humanos para humanos e em termos monstruosos para monstros. Quando tiverem oportunidade, surgirão para se opor à reforma e à abertura. Caso essas pessoas obtenham o poder supremo, representarão um desastre para a nação e para o povo”. [2] 

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Jiang cerrou os dentes de ódio ao ouvir o discurso. Ele estava planejando dar outra demonstração de apoio às reformas, sabendo que as coisas não estavam indo bem, mas agora seu blefe havia sido denunciado por Tian.

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Li Xiannian em uma ocasião ficou descontente com o apoio de Tian ao programa de reforma e abertura. Em uma reunião do Politburo em 27 de outubro de 1989—não muito depois do Massacre da Praça Tiananmen—Jiang desacreditou todas as contribuições de Zhao Ziyang para a reforma. No local, Tian passou a apontar, no entanto, que a nova geração de líderes não poderia negar as realizações da geração anterior; todos deveriam ter uma parte dos resultados e também dos problemas. Li ficou irado e gritou, ao ouvir as observações de Tian: “Mais uma vez, o lacaio de Zhao Ziyang surge!”.

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Mas o que deixou Jiang verdadeiramente desamparado foi quando Tian falou abertamente em críticas ao comportamento de duas caras de Jiang enquanto o grande apoiador de Jiang, Li Xiannian, estava hospitalizado. Jiang não podia fazer nada a respeito. No final de maio, um grupo de especialistas médicos de cuidados especiais relatou que Li estava em estado crítico. Jiang começou a sentir que sua própria posição estava em perigo e que a situação era muito desvantajosa para ele. Sem alternativa, Jiang só poderia virar as velas contra o vento, suavizando sua oposição às chamadas “reformas da burguesia”. 

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Em 9 de junho de 1992, a Escola do Partido do Comitê Central do PCC foi protegida tão fortemente como se estivesse enfrentando um inimigo mortal. Jiang, cercado por Qiao Shi e um séquito de soldados e policiais, entrou no salão de assembleias da instituição. Professores e alunos riram de Jiang e da cena, comentando: “Qiao Shi deve ter forçado Jiang a vir aqui”. Jiang então prosseguiu, sob pressão de Qiao, para fazer uma palestra em apoio aos discursos da Viagem ao Sul de Deng. Jiang sentiu que isso representava uma perda de prestígio, por ter sido forçado a vir. Seu ressentimento por Qiao cresceu ainda mais. Um observador no salão de assembleia comentou: “Você pode ver que Jiang não quis dizer o que ele disse”. Na superfície, pelo menos, Jiang fez uma demonstração de reverência.

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Entre a primavera e o verão de 1992, a posição do secretário-geral Jiang afundou dramaticamente. Alguns até especularam que Jiang teria que ceder seu posto. Em 21 de junho, Li Xiannian morreu de doença em Pequim. A situação forçou Jiang a mudar de atitude. Jiang rapidamente começou a fingir apoio às reformas de Deng, embora a mudança tenha ocorrido muito mais tarde do que o apoio de outros. Jiang temia tanto a perspectiva de perder sua posição que não conseguia dormir ou comer muito bem. O mais preocupante para Jiang era que ele poderia ser repreendido dentro do Partido por suas ações atuais e passadas. Jiang, portanto, fez uma visita secreta a Deng e ofereceu uma rodada profunda de autocrítica. Jiang jurou com a vida, com lágrimas nos olhos, seguir Deng e levar a cabo o programa de reforma e abertura até o fim.

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Naquela época, Jiang também estava sentindo uma enorme pressão dos irmãos Yang, Qiao Shi, Wan Li e Tian Jiyun. Jiang nutria uma mistura de ódio e medo do grupo. No final das contas, Jiang mudaria de posição, passando de uma postura anti-reforma para uma de apoio à política. De importância crítica para Jiang foi— e ainda é—como este capítulo de sua história foi escrito; há muito ele está ansioso para se apresentar como uma pessoa de mente aberta a favor da reforma. Uma frase na biografia de Kuhn de Jiang é reveladora, pois nela se detecta o desejo de Jiang de ocultar e reescrever esta parte de seu passado. Kuhn escreve: “No fundo, Jiang era um reformador econômico, mesmo que não com o zelo missionário de Deng”. [3] O “fundo” e “mesmo se não com” visam mascarar tudo o que Jiang fez intencionalmente para resistir ao programa de reformas de Deng e aos esforços externos para “transformar pacificamente” o regime da China. Como Jiang teria dito, ele foi, incrivelmente, vítima de bullying dos conservadores. Mas se fosse esse o caso, Deng poderia simplesmente ter visitado a residência de Jiang para discutir o fortalecimento das reformas. Por que Deng teve que viajar com Yang Shangkun—uma poderosa figura militar—até o extremo sul da China? 

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Tudo Pelo Poder 06

 Capítulo 6: Operação Tempestade no Deserto choca o velho trapaceiro; Jiang fica do lado da esquerda com cautela (1990- 1991)

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A guerra no Golfo Pérsico entre os Estados Unidos e o Iraque estourou um ano depois que Jiang se tornou secretário-geral do PCC. A vitória dos EUA na Operação Tempestade no Deserto levou Deng Xiaoping a reconsiderar a direção do desenvolvimento da China.

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Quando o Iraque invadiu o Kuwait em 2 de agosto de 1990, todo o território do Kuwait foi ocupado em apenas um dia. A invasão do Iraque desencadeou reações extremas na comunidade internacional. Os países ocidentais, liderados pelos EUA, realizaram uma ação militar, por meio de uma resolução das Nações Unidas, para conter a invasão do Iraque. Embora o ditador Saddam Hussein do Iraque fosse um bom amigo do Partido Comunista Chinês e o Iraque e a China tivessem uma relação estreita, a China estava isolada da comunidade internacional na época e não queria ofender os países ocidentais apoiando Saddam Hussein.

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Jiang Zemin se tornou secretário-geral por causa de sua participação no massacre na Praça Tiananmen contra os estudantes em 1989. Seus apelidos “Kericon” e “fanfarrão Jiang” denunciavam sua falta de competência em assuntos além de persuadir, se exibir e falar dos outros pelas costas. A Guerra do Golfo foi um verdadeiro teste para examinar quais dificuldades Jiang poderia resolver. 

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Ao enfrentar um desafio tão grande como esse, Jiang entrou em pânico e não soube o que fazer. Ele começou a sentir então que ocupar o cargo de Secretário-Geral nem sempre era agradável. Naquela época, os países ocidentais impuseram sanções econômicas diante do Massacre na Praça Tiananmen, e a China tinha pouco apoio internacional. Para escapar do dilema diplomático, Deng Xiaoping estabeleceu os princípios básicos da posição da China sobre a guerra, que eram, na verdade, “calar a boca e ficar longe”. Graças à ordem de Deng, Jiang não precisou tomar uma decisão. A China posteriormente se absteve na votação da ONU sobre a Guerra do Golfo. 

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1. Operação Tempestade no Deserto Em 17 de janeiro de 1991, as tropas da ONU lideradas pelas forças militares dos EUA lançaram a “Operação Tempestade no Deserto” contra o Iraque. Em poucas semanas, as tropas de Saddam Hussein sofreram pesadas baixas e perderam completamente o poder de revidar. O Iraque foi forçado a aceitar todas as 12 resoluções aprovadas pelas Nações Unidas desde a invasão do Kuwait pelo Iraque. As forças multinacionais da ONU pediram um cessar-fogo à meia-noite de 28 de fevereiro, marcando o fim da Guerra do Golfo de 42 dias.

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Durante a guerra, os jornais da China, que eram, e são, rigidamente controlados pelo Partido Comunista Chinês, cobriram extensas análises estratégicas afirmando que Saddam tinha uma boa chance, porque estava “do lado do povo” e que a guerra seria prolongada. Alguns até previram que as tropas americanas ficariam presas no Iraque, semelhante ao que aconteceu durante a Guerra do Vietnã. Para a surpresa da China, as forças multinacionais lideradas pelos EUA coordenaram suas tecnologias de satélite, aéreas e navais para permitir um ataque combinado em três frentes. O armamento avançado e a coordenação precisa impressionaram o mundo. 

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Unidades de inteligência dos EUA implantaram satélites de comunicação aeroespacial, satélites de uso civil e satélites de sensoriamento remoto para análise espectral para monitorar e decodificar as informações militares do Iraque e para tirar fotos infravermelhas de grandes altitudes. Os dados coletados foram então processados em supercomputadores para revelar totalmente a capacidade militar do Iraque. Os Estados Unidos também começaram a enviar ondas de interferência eletrônica poderosas seis horas antes de lançar o ataque, de modo a paralisar o sistema de comando do Iraque. O que apareceu nas telas de radar do Iraque foram flocos e manchas. Os caças stealth americanos encheram o céu de palha para criar rastros de aviões de guerra ilusórios nas telas de radar do Iraque, levando os mísseis terra-ar SAM-6 de Saddam a atacar “fantasmas”. As forças militares iraquianas rapidamente ficaram surdas e cegas.

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As vitórias das forças americanas com o mínimo de baixas ensinaram muito a Deng Xiaoping e chocaram o mais alto escalão do PCC. O clamor público também se seguiu, pedindo à China que armasse seus militares com armas de alta tecnologia. Jiang Zemin, que não tinha experiência militar, estava perdido e não sabia como responder. 

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Jiang estava apavorado, na verdade. Seu conhecimento das forças militares dos Estados Unidos e da China estava fora de sintonia com a época; seu conhecimento era mais o das guerras da Coreia e do Vietnã.

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Ele se lembrou do livro de Richard Nixon de 1999: Victory Without War (publicado em 1988). Jiang achava que a China comunista estava muito atrás dos Estados Unidos em termos de moral e força militar. Com as mudanças drásticas de regime na Europa Oriental, a Guerra Fria estava chegando ao fim. A onda de democracia estava se movendo para o leste e logo alcançaria a China, com apenas a União Soviética no meio. Diante da forte pressão para democratizar, o império vermelho liderado por Gorbachev parecia sujeito ao colapso a qualquer momento. Se os Estados Unidos continuassem com suas estratégias da Guerra Fria ou realizassem ataques militares, com seus sistemas políticos e econômicos muito admirados e armamento avançado, a autocracia de partido único da China seria derrubada. 

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Jiang se sentiu impotente ao pensar na situação do mundo. Ele enviou uma mensagem a seu filho Jiang Mianheng, que estava estudando nos Estados Unidos, informando que não havia necessidade dele apressar os estudos para se formar. Ele disse ao filho para encontrar um emprego e ficar nos Estados Unidos por mais alguns anos. Isso ocorreu em parte porque a posição de Jiang no governo central da China não estava totalmente consolidada na época, e em parte porque ele não tinha confiança no futuro do Partido Comunista Chinês. 

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2. Bajulação da União Soviética A partir da época do Massacre na Praça Tiananmen em 1989, os Estados Unidos, que lideravam o mundo em engenharia e integração de sistemas, impuseram um embargo de armas à China; a China tinha pouca experiência em engenharia e integração de sistemas. No entanto, não foi difícil para a China recrutar especialistas na área. Por exemplo, a economia lânguida da Rússia permitiu à China oportunidades de atrair profissionais russos por meio de moeda forte. Aproximadamente 1.500 cientistas e técnicos russos começaram a trabalhar como consultores para os militares da China na década de 1990.

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Sob o olhar atento de Deng Xiaoping e Yang Shangkun, Jiang Zemin, apesar de ser um leigo em assuntos militares, teve que demonstrar competência como Presidente da Comissão Militar Central. Ele anunciou planos de compra de sistemas de armamento de última geração da Rússia. Embora a China tenha gasto enormes somas de dinheiro para adquiri-los, todas as suas aquisições provaram ser armas obsoletas descarregadas pela ex-União Soviética, ou armas que funcionavam mal e que a Rússia estava despachando. Os aviões de guerra recebidos da Rússia falhavam com frequência. Depois que o PCC começou a comprar aviões de guerra soviéticos (incluindo Su-27s e Su-30s), nos anos entre 1997 e 2001 pelo menos cinco acidentes chegaram a ser reportados.

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O porta-aviões russo Kiev foi construído em 1975 e aposentou-se do serviço ativo em 1994. Jiang Zemin o comprou e deu as boasvindas no porto de Tianjin em setembro de 2000 como um tesouro inestimável. Fontes disseram que a China passou dois anos negociando a compra e obteve um empréstimo de 70 milhões de yuans (US$ 8,4 milhões) para financiar o porta-aviões aposentado. Os especialistas pensaram que poderiam obter informações técnicas examinando o Kiev. No entanto, eles perceberam que a Rússia havia se livrado de tudo que valesse a pena aprender. Houve um protesto entre os militares por terem sido enganados e eles apresentaram queixas a Deng e Yang. Jiang Zemin, que estava no comando do negócio desastrado, ficou ainda mais nervoso do que Deng e Yang. A presidência da Comissão Militar Central foi uma tarefa difícil para Jiang. O próprio Jiang uma vez descreveu isso como “pisar em gelo fino”. 

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A economia da União Soviética estava lenta na época. Ela estava usando força militar para suprimir pessoas em seus vários estados e enfrentava sérios problemas internos e internacionais. Para atualizar seu equipamento militar e mostrar apoio ao regime comunista soviético, a China em outubro de 1990 decidiu buscar cooperação militar com a União Soviética e comprar um lote de novos aviões de guerra da União Soviética. Em 25 de janeiro de 1991, o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China disse a repórteres que Jiang faria uma visita de Estado à União Soviética em maio do mesmo ano. Jiang tornou-se o mais alto funcionário do governo chinês a visitar a União Soviética desde que Mao Tsé-tung compareceu às comemorações do 40º aniversário da “Revolução de Outubro” em Moscou em 1957. 

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Quando Jiang estava na União Soviética em 1991, Yeltsin, uma importante figura política para os reformistas, pediu para se encontrar com Jiang, mas o pedido foi recusado. Em vez disso, Jiang se encontrou com o vice-presidente da União Soviética, Gennady Yanayev, que era contra o programa de reformas, e disse a Yanayev que esperava que a União Soviética voltasse na direção do socialismo. Este evento refletiu claramente a postura esquerdista de Jiang contra a reforma. Três meses depois, Yanayev desempenhou um papel fundamental na tentativa de golpe político que colocou Gorbachev em prisão domiciliar. O golpe, que pretendia reverter a reforma e restaurar o controle centralizado das repúblicas por Moscou, fracassou após três dias.

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Para fortalecer as relações com a União Soviética e solidificar seu poder político, Jiang tentou agradar a União Soviética (e mais tarde a Rússia) a todo custo. Ele foi totalmente negligente quando se tratou da disputa de fronteira entre a China e a Rússia, e concordou com a proposta russa de inspecionar a fronteira. Por meio dos arranjos meticulosos da KGB, a ex-amante de Jiang apareceu. Jiang sabia, vendo isso, que a KGB tinha informações sobre todas as suas atividades no passado, então ele cedeu obedientemente aos termos da Rússia. Como resultado, um território disputado, 40 vezes o tamanho de Taiwan, foi secretamente cedido à Rússia.

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Tudo Pelo Poder 05

 Capítulo 5: Ao fechar o Herald antes do Massacre do Tiananmen, Jiang encontra o caminho mais rápido para Pequim (1989-1990)

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De todos, Jiang Zemin foi o que mais se beneficiou do Massacre do Tiananmen. No entanto, as opiniões variam sobre como Jiang, que estava prestes a se aposentar como secretário do Partido na cidade de Xangai, tornou-se o “núcleo” do PCC, controlando os três poderes—o Partido, o governo e o exército. As respostas para esse quebra-cabeça podem ser encontradas na biografia bajuladora de Jiang de Robert Kuhn, The Man Who Changed China. A “biografia” é, claro, mais ficção política do que qualquer coisa, visto que todos os entrevistados de Kuhn foram cuidadosamente selecionados. Felizmente, para os chineses que viveram sob a tirania por tantos anos, distinguir o fato da fantasia não é tão difícil. Pode-se dizer que é uma habilidade nascida da “cultura do Partido Comunista” da China e, portanto, um traço exclusivo desse ambiente.

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1. O estopim – a morte de Hu Yaobang Quando Jiang Zemin fechou o jornal liberal World Economic Herald, com sede em Xangai, ele estava estabelecendo, sabendo ou não, as bases para obter a mais alta autoridade possível dentro do Partido Comunista Chinês. Foi assim que Kuhn escreveu detalhes sobre o evento do Herald. 

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No início de 1989, as reformas econômicas impulsionadas por Deng Xiaoping deram novo fôlego à China, mas criaram, ao mesmo tempo, alguns fenômenos perturbadores. Embora a economia nacional tenha crescido continuamente e cada vez mais produtos tenham aparecido no mercado, a receita tributária do governo central proveniente das províncias da China foi reduzida em um terço. A taxa de inflação começou a se aproximar de 20%. Os preços em alta e as compras decorrentes do medo tornaram-se parte da vida urbana. Cada vez mais empresas estatais (SOEs) sofreram perdas e falências, deixando milhares de trabalhadores SOE desempregados. Os conflitos entre os interesses velados do novo sistema econômico e os do antigo tornaram-se mais pronunciados. Todos sabiam que alguns empresários enriqueceram, enquanto muitos trabalhadores e técnicos de uma estatal perderam seus benefícios trabalhistas e pensões. O número de desempregados tornou-se enorme—tão grande que se poderia dizer que uma nova classe surgiu. A diferença de renda entre ricos e pobres estava aumentando rapidamente. 

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Durante aquele período, o que as pessoas mais odiavam era a especulação oficial. Por volta de 1985, a China começou a adotar um “sistema duplo de preços” para os preços de compra de produtos agrícolas, preços de atacado dos principais produtos industriais e bens que estavam em falta. Ou seja, os produtos que estavam dentro do plano do Estado foram comprados a preços estipulados pelo Estado, enquanto os produtos que iam além do plano do estado foram comprados a preços de mercado muito mais elevados do que os preços do Estado. O objetivo era resolver o problema do enorme excesso de demanda por produtos materiais e garantir que os planos estaduais obrigatórios fossem executados a baixo custo. No entanto, os “aproveitadores oficiais”, como ficaram conhecidos, que possuíam “documentos oficiais” compraram bens que estavam em falta—como o aço—a preços de estado e depois os venderam a preços de mercado. Os preços de mercado podem ser várias vezes mais altos do que os preços estatais.

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Com uma frequência cada vez maior, os oficiais do governo do PCC estavam usando suas posições e poder para encher seus próprios bolsos e aumentar seu prestígio. E isso foi feito, dessa forma, sem envolvimento em negócios reais. Em vez disso, deram projetos de negócios lucrativos e recomendações em áreas que exigiam cotas para seus parentes e amigos. Muitos dos escritórios de representação e hotéis de primeira classe em Pequim, por exemplo, têm um grupo único de indivíduos. Esses indivíduos, que têm milhões de yuans em mãos, fixam seus olhos nas autoridades de Pequim de vários ministérios. O objetivo é gastar dinheiro com eles em troca de licenças de importação e várias cotas. Assim que obtêm esses documentos, eles os usam para ganhar dezenas de milhões de yuans ou mesmo centenas de milhões. A reforma unidimensional do PCC criou, assim, um sistema bastante deformado, que fomentou um excelente ambiente para funcionários do governo conspirarem com empresários. Esses funcionários sujos, interessados em lucro, fariam qualquer coisa imaginável às custas do público, pois no final as margens nasceriam do mesmo modo pelo povo. Em 1988, impressionantes 356,9 bilhões de yuans foram gerados pela diferença de preços criada pelo sistema de preços duplos, que representou 30% do PIB naquele ano. Abusando de suas posições e poder, filhos e parentes da elite dominante enriqueceram da noite para o dia com a venda de seus documentos oficiais. 

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O próprio termo “especulação oficial” reflete a corrupção do PCC. O desejo do povo por uma reforma abrangente, como uma corrente oculta, estava se espalhando pela sociedade. A qualquer momento, uma faísca poderia ter desencadeado uma série de explosões.

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Em 15 de abril de 1989, Hu Yaobang, um reformista de mente aberta que havia sido virtualmente destituído do cargo de Secretário Geral do PCC, sofreu um ataque cardíaco repentino em uma reunião do Politburo do Partido. Uma semana depois, Hu faleceu. Sua morte encheu os corações das pessoas de tristeza e perda. Muitos nutriam até mesmo um profundo ressentimento, sentindo que as perspectivas de uma reforma democrática seriam agora severamente afetadas.

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Naquela mesma noite de abril, os alunos da Universidade de Pequim começaram a fazer coroas de flores no campus em homenagem à sua morte; grandes cartazes com letras podiam ser vistos em todos os lugares, inclusive nas paredes e nas árvores. Entre 15 e 17 de abril, a poesia comemorativa aparecendo em grandes cartazes com letras salpicou os campi da Universidade de Pequim, da Universidade Qinghua, da Universidade do Povo, da Universidade Normal de Pequim, da Universidade Chinesa de Ciência Política e Direito e de muitas outras escolas, cada uma delas desejando marcar a morte de Hu. Na segunda-feira, 17 de abril, vários milhares de alunos deixaram seus campi e caminharam até a Praça Tiananmen. Eles colocaram coroas de flores ao pé do Monumento Memorial do Povo, seguraram faixas com os dizeres “Em memória de Hu Yaobang” e gritaram slogans como “eliminar a corrupção”, “governar o país pela lei” e “abaixo à burocracia!” Enquanto isso, estudantes de todo o país ecoaram suas ações com manifestações em grande escala, assembleias e atividades de petições. Em poucos dias, o movimento estudantil cresceu ainda mais, clamando por um diálogo entre os líderes do país e os estudantes. O objetivo agora era promover reformas políticas e fazer com que o país fomentasse a democracia e o Estado de direito. 

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Na noite de 25 de abril, a China Central Television (CCTV) transmitiu várias vezes, em seu programa nacional de notícias na TV, um editorial do Diário do Povo intitulado “Devemos nos opor inequivocamente ao tumulto”. O editorial condenou as ações dos alunos e afirmou que eles tinham “perturbado a ordem social”. Eles também alegaram que a natureza das ações dos alunos era “ilegal” e pediram o fim da comoção. No dia seguinte, o editorial real foi publicado no Diário do Povo. 

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O editorial declarou que, “Isso é uma conspiração”, “Seu propósito é desmoralizar o povo e desorganizar todo o país” e que “Seu objetivo final é negar fundamentalmente a liderança do Partido Comunista Chinês, negar todo o sistema socialista”, entre outras afirmações bizarras. 

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O editorial de 26 de abril descreveu o movimento estudantil como uma “turbulência”, uma designação que os alunos acharam terrivelmente enfadonha. Com a aproximação de 4 de maio —uma data que geralmente lembra os protestos estudantis históricos (de 1919) que galvanizaram o patriotismo chinês logo após o Tratado de Versalhes—, o movimento estudantil mais uma vez se expandiu. Vários dias antes, houve uma marcha liderada por vários professores mais velhos. Eles seguravam uma faixa branca com as palavras de um conhecido autor dizendo: “Tendo ficado ajoelhado por tanto tempo, levante-se e ande por aí”. Muitos dos idosos começaram a refletir sobre as últimas décadas, sobre tempos cheios de tumulto. Foi uma época em que os intelectuais chineses se ajoelharam diante do Partido, e foram forçados a louvá-lo. Eles não tiveram chance de se levantar e projetar uma voz de consciência independente. Na verdade, foram os professores seniores que estiveram na frente da marcha. Como algo assim nunca havia acontecido durante todo o reinado do PCC, isso foi percebido como algo ameaçador. 

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Em 13 de maio, os estudantes fizeram greve de fome na Praça Tiananmen para pedir um diálogo em igualdade de condições entre o governo e os estudantes. A esperança deles era que o governo tomasse medidas concretas para resolver os problemas do país. Enquanto isso, milhares de civis de Pequim, funcionários do governo e jornalistas saíram às ruas para apoiar os estudantes.

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Paralelamente ao editorial do Diário do Povo de 26 de abril, houve uma campanha de “limpeza” contra o World Economic Herald, liderada por Jiang Zemin. A ação adicionou lenha ao fogo. Jiang, como secretário do Partido em Xangai, pressionou muitos dos anciões do Partido a usar a força e o derramamento de sangue para alcançar a “estabilidade”.

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2. O evento Herald O regime do PCC carece de qualquer legitimidade e, como tal, está perpetuamente preocupado em como manter o poder. O comportamento, pensamentos e ações de Hu Yaobang e Zhao Ziyang—que foram vistos como “insatisfatórios” pelo Comitê Central do Partido—apenas exacerbaram essas preocupações. Tornou-se crítico que o PCC encontrasse um secretário-geral qualificado para o Partido. A maneira como Jiang Zemin lidou com todo o fechamento do Herald ganhou a confiança dos membros seniores do PCC, e logo eles acreditaram que ele deveria ser o sucessor de Hu. 

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No início do movimento estudantil de 1989, a participação era limitada a alunos e alguns professores. O ponto de virada que transformou um pequeno movimento estudantil em um nacional mais amplo foi a campanha de Jiang para “limpar”, como ele via, o World Economic Herald em Xangai. 

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Como muitos devem saber, a morte de Hu Yaobang desencadeou o evento do Herald. O fundador e editor-chefe do World Economic Herald foi Qin Benli, um intelectual na casa dos setenta anos que os editores de notícias tinham em alta consideração. Sua publicação promoveu ideias democráticas e conquistou a confiança de mais de 300.000 leitores com alto nível educacional, tendo um peso significativo na definição do tom das discussões nacionais.

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No quarto dia após a morte de Hu Yaobang (19 de abril), os editores do Herald realizaram um fórum. Qin achava que o fórum deveria abordar questões sociais e políticas pertinentes, em vez de apenas seguir os movimentos usuais de homenagear o falecido líder. A sugestão de Qin foi aceita por todos os participantes. No fórum, outra figura, Dai Qing, falou sobre a história de 70 anos do PCC e o destino de seus antigos secretários gerais. Ela argumentou que nenhum secretário-geral do Partido teve um bom final; todos foram substituídos por meio de uma “transição de poder” não processual. 

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Em 20 de abril, o Departamento Municipal de Propaganda de Xangai foi informado de que o Herald publicaria uma coluna especial em luto pelo camarada Hu Yaobang. Chen Zhili, que era Chefe do Departamento de Propaganda (agora Ministro da Educação), relatou isso imediatamente a Jiang Zemin. (Isso irritou Jiang e outras autoridades porque Hu Yaobang havia caído em desgraça com o Partido). Na tarde de 21 de abril, Jiang enviou Zeng Qinghong, Secretário Municipal Adjunto do Partido, junto com Chen Zhili para falar com Qin Benli, o editor-chefe. Qin Benli os informou que o Herald realmente publicaria em sua próxima edição várias páginas do fórum de 19 de abril que ocorreu em Pequim; o fórum foi organizado conjuntamente pelo Herald e pela New Observation Press em homenagem ao camarada Hu Yaobang. Zeng e Chen pediram a Qin que enviasse prontamente uma cópia da próxima edição do Herald para que eles pudessem examiná-la antes da publicação. Às 8h30 da noite seguinte, durante uma discussão sobre cópia da edição 439 do Herald, Zeng exigiu que Qin reduzisse a coluna em cerca de 500 palavras. O conteúdo a ser descartado foi principalmente discursos de Yan Jiaqi e Dai Qing.

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Qin Benli se manteve firme, porém, enfatizando que o governo havia aprovado a implementação de um sistema que deu a um editor-chefe a palavra final sobre o conteúdo de seu jornal. Ele prosseguiu: “Se algo der errado, assumirei a responsabilidade por isso. De qualquer forma, o camarada Jiang Zemin ainda não leu a cópia, e nem o município nem o Departamento de Propaganda devem assumir a responsabilidade por quaisquer consequências decorrentes de sua publicação”. 

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Zeng Qinghong respondeu com raiva: “Agora, a questão não é quem será responsável por isso, mas como isso afetará a sociedade como um todo”. Qin insistiu que a decisão fosse deixada para ele e, no final, não concordou em cortar nada. Incapaz de persuadir Qin, Zeng relatou a Jiang Zemin o que havia acontecido.

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Jiang não tinha imaginado que Qin Benli seria tão teimoso, nem mesmo que Zeng Qinghong deixaria de persuadi-lo. Então ele conversou com Wang Daohan, o presidente do Herald, sobre o assunto. Com Wang atrás dele, Jiang exigiu que Qin, em termos severos, fizesse alterações na versão final. Wang usou ainda a lógica do Partido para persuadir Qin. Jiang e Wang foram além de pressionar Qin por revisões para, por meio de palavras açucaradas, tentar convencê-lo a remover a versão final por completo. Àquela altura, porém, mais de 100.000 exemplares do jornal já haviam sido impressos, com 400 entregues a varejistas privados. O mesmo volume de jornais foi enviado diretamente para Pequim. Embora 20.000 cópias tenham sido retiradas de circulação, o impacto já havia sido feito. O artigo havia sido impresso na íntegra.

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Na manhã de 22 de abril, o funeral de Hu Yaobang foi realizado no Grande Salão do Povo. O presidente Yang Shangkun foi o anfitrião do funeral, que contou com a presença de altos funcionários. Embora Jiang Zemin, que estava em Xangai, se opusesse ao funeral, ele enviou uma coroa de flores a Pequim em sinal de “luto”.

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Na noite após o Diário do Povo ter publicado seu editorial, “Devemos inequivocamente nos opor à turbulência”, Jiang organizou uma reunião de emergência dos secretários municipais do Partido que durou até 1h. Ele pediu que medidas rápidas e drásticas fossem tomadas. Mais cedo naquele dia, em uma grande reunião com a presença de 14.000 membros do PCC, Jiang anunciou a demissão de Qin Benli de seu cargo e a reestruturação do World Economic Herald. 

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Em 27 de abril, Jiang enviou Liu Ji e Chen Zhili, os líderes do Grupo de Liderança na Reestruturação da Cidade de Xangai, para assumir o comando do Herald. Chen, tão implacável quanto Jiang, seguia todas as ordens de Jiang. Chen demitiu todos os funcionários do Herald e proibiu todos os seus editores de trabalhar em qualquer mídia. 

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Chen, uma associado leal de Jiang, foi visitar Qin durante os últimos dias de vida dele. Na época, Qin estava sofrendo de câncer e estava acamado. Chen inicialmente parecia gentil e agradável. Embora as pessoas inicialmente pensassem que ela devia ter pelo menos um ou dois traços de sentimento humano, para sua surpresa, o que Chen fez foi ler em voz alta para o moribundo Qin uma nota disciplinar do PCC contra ele. Seu objetivo não poderia ter sido mais claro: ela queria que Qin não apenas morresse, mas que morresse sem paz. 

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Os esforços reformistas dos editores do Herald acabaram conquistando o apoio e a admiração de muitas pessoas, tanto na China como fora dela. No entanto, na biografia de Kuhn de Jiang, o incidente do Herald foi completamente retrabalhado e reembalado de acordo com a agenda de Jiang. Qin e os outros editores são descritos por Kuhn como “dúbios”, [1] como “providos de fingimento”, [2] como tendo feito “um argumento que desafiava a lógica” [3] e tendo perpetrado um “ato explícito de provocação”[4] contra Jiang. Na versão de Kuhn da história, Jiang, no mais improvável dos giros, é retratado como a vítima,e seu grupo tendo sido de alguma forma “enganado”. [5]

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