Organizar - Gramscy
ORGANIZAR-SE é a chave da SOBREVIVÊNCIA
Por Fernando Vaisman
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As pessoas costumam associar o nome do filósofo italiano Antonio Gramsci como o grande arquiteto do que se chama hoje de “Guerra Cultural”, mas isso é uma meia verdade. Na realidade, a guerra cultural em si, com os mecanismos usados hoje, não foi arquitetada por Gramsci, mesmo tendo sido ele o criador do “modus operandi”, que era a ocupação dos espaços na sociedade, através da infiltração na mídia, nos meios artísticos e nas universidades. Ele mostrou o caminho, a forma e isso fica muito claro com a leitura dos 29 volumes que formam os “Cadernos do Cárcere” (nome dado à obra, eis que escrita enquanto o autor esteve preso, por 11 anos, de 1926 a 1937, na Itália).
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Mas a técnica em si, que consiste no aprofundamento da cisão social, da exacerbação das diferenças, da divisão da sociedade em diversos grupos (minorias) deriva do próprio Marxismo e do Leninismo. Tal técnica foi se evoluindo até alcançar a forma como foi disseminada e que hoje colhe seus frutos, com a existência de sociedades completamente esfareladas, sem coesão, onde as pessoas vivem separadas por abismo colossal que impede qualquer tentativa de união.
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A evolução da técnica, por assim dizer, deve ser atribuída aos ensinamentos de alguns integrantes da chamada “Escola de Frankfurt”, que foi uma vertente de teoria social e filosofia, associada ao Instituto para Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt. Para entender os motivos pelos quais a Esquerda fomenta a divisão social como forma de tomada de poder, não adianta ler Gramsci, mas sim outros teóricos, como Theodore Adorno, com suas clássicas obras “Dialética do Iluminismo” (1947), “Minima Moralia” (1951) e “Negativa Dialética” (1966), e Herbert Marcuse, autor dos não menos clássicos “Eros e Civilização” (1955) e “O Homem Unidimensional” (1964). Foram os pensamentos difundidos por esses filósofos (entre outros, claro) que influenciaram fortemente a Nova Esquerda Europeia e as revoltas estudantis de 1968 e 1969, nos EUA e na Europa e que, assim, deram o pontapé inicial de derretimento e fragmentação da sociedade.
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Mas como vivemos em uma época em que, ao invés de lermos as obras em si, que trazem a teoria, preferimos ver vídeos de Youtube com alguém “explicando” tais teorias e, com isso, no lugar de desenvolvermos nosso intelecto através da reflexão, decidimos confiar no intelecto de alguém que sequer conhecemos e que coloca ali a sua visão/interpretação/opinião sobre o que leu, ou, às vezes, até pior, sobre o que não leu (o que tem de resumo do resumo do resumo vocês não têm ideia).
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E é por essa preguiça mental de ir atrás das fontes primárias que é usual ver pessoas atribuindo a Gramsci todos os méritos do chamado “Marxismo Cultural” ou “Revolução Cultural”. Nesse aspecto, resumidamente, Gramsci mostrou a forma e os ideólogos da Escola de Frankfurt trouxeram o conteúdo.
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Mas, se por um lado, as pessoas atribuem a Gramsci os méritos de algo que ele não desenvolveu sozinho, por outro lado, desconhecem que foi ele o idealizador de outra estratégia muito usada pela Esquerda e que tem sido exitosa há tempos.
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Foi Gramsci que pregou a APARENTE divisão da Esquerda. Veio dele a ideia de que ao invés de a Esquerda se apresentar como um único grupo que defende várias causas, era mais interessante pulverizar essas causas entre vários grupos, formalmente independentes, mas ideologicamente ligados, e, assim, aumentar a chance de propagação da doutrina pela sociedade. É por isso que a principal bandeira do PT é defender os trabalhadores; a principal bandeira do Psol é defender as minorias; a principal bandeira da REDE e do PV é defender o Meio Ambiente e por aí vai.
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Mas, no fundo, tirando o PCO (que é comunista raiz), todos esses partidos representam os mesmos ideais, que significam, essencialmente, colocar a Esquerda no poder. Inclusive, historicamente, todos são derivados do antigo Partido Comunista Brasileiro, que foi fundado em 1922 e que veio a ser posto na ilegalidade em 1947, durante o governo do Presidente Eurico Gaspar Dutra, após um acordo firmado entre a extinta UDN (partido do maior político brasileiro na minha opinião, Carlos Lacerda), o PSD (que era o partido do presidente e de Juscelino à época) e o PTB (partido de Getúlio, que havia governado o país entre 1930 até 1945 e que voltaria a governar de 1951 a 1954).
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Ocorre que, como no Brasil, desde 1964, por conta do Ato Institucional n. 2, editado pelo Marechal Castelo Branco, foi proibido o pluripartidarismo no país, não havia como pensar em implementar essa estratégia no nível institucional-partidário. Para os que gostam de História, o sistema bipartidário, que contemplava a existência de apenas dois partidos – Arena (situação) e MDB (oposição) vigorou até o fim de 1979, quando o Presidente Figueiredo sancionou a Lei n. 6767/79, que ficou conhecida como a Lei Orgânica dos Partidos Políticos.
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Com o fim do bipartidarismo, inicialmente o Arena se transformou no extinto PDS (que abrigou o que poderíamos chamar de políticos de Direita) e o MDB se tornou um partido de centro chamado PMDB (que hoje voltou a ser chamado de MDB). Na esquerda, surgiram, logo de cara, o PDT (em 1979) e o PT (em 1980).
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Para começar a tal pseudo-divisão da Esquerda, foram criados, inicialmente, o PSB (1985), o PV (1986) e reativado o registro do PC do B (1988). Mais recentemente, foram criados o PSTU (1994), o PSOL (2004) e a REDE Sustentabilidade (2013).
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Dividindo a Esquerda dessa forma, ou melhor, ORGANIZANDO a Esquerda dessa forma, eles conseguem atrair muito mais simpatizantes. Nem todo operário é favorável à causa LGBT e nem todo ecologista é favorável ao aparelhamento do Estado. Percebe que eles conseguem angariar todo esse espectro e, quando necessário, juntam a base para governar ou para se opor a um determinado governo?
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Tanto é verdade que nos governos Lula e Dilma, todos esses partidos, mesmo tendo seus próprios candidatos e, aparentemente, mostrando uma certa independência, na verdade, orbitavam a figura do Lula. Quando a imagem do PT e, consequentemente, da Dilma mostraram-se arranhadas para as eleições de 2014, vieram com a suposta dissidência formada pela chapa Eduardo Campos/Marina, como forma de “alternativa” ao projeto de poder que estava em curso e que se mostrava, nitidamente, desgastado. Contudo, não se iludam, caso Marina Silva (que tomou o lugar do Eduardo Campos, com a sua morte) fosse eleita, os (não)valores da Esquerda é que continuariam a perdurar. Da mesma forma, alguém acreditava que o PSOL estava, realmente, criticando o governo Dilma quando a “presidenta” tomou determinadas decisões, supostamente, desfavoráveis às pautas de Esquerda (como a nomeação do Levy)? Que nada! Era tudo jogo de cena.
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É por isso que tem que ser muito ingênuo para acreditar que as eleições municipais ocorridas no domingo passado mostraram um enfraquecimento do PT. As eleições mostraram que a Esquerda (e, assim, também o PT) está mais forte do que imaginávamos. E agindo de acordo com a cartilha de Gramsci, eles vão iludindo uns e outros, apresentando “alternativas” descoladas da roubalheira do PT, como se isso fosse possível. Acordem: quando ganha o PSOL, o PC do B, o PSB, o PV ou a REDE, na verdade, quem ganhou foi o PT, mesmo que não usando sua própria legenda e mesmo que, em alguns casos, tenha até lançado candidatos próprios. Pode ter certeza que o candidato do PT à prefeitura de São Paulo não era, realmente, o Tato e sim o Boulos, que, como todos sabem, vem sendo treinado para ocupar o lugar que, fatalmente, o Lula irá deixar em breve. O pessoal do lado de lá não brinca em serviço.
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Mas como tudo que é ruim sempre pode piorar, vocês já ouviram falar sobre o chamado “Teatro das Tesouras”, certo? Bom, para quem não ouviu falar, é uma estratégia de criação de grupos, aparentemente, opositores entre si e que disputam o poder. Assim, quando um grupo ganha, o outro faz oposição e vice-versa. Acontece que, mesmo que por caminhos diversos, os dois grupos têm, em última instância, os mesmos ideais.
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No Brasil, vivemos o Teatro das Tesouras protagonizado pelo duelo PSDB x PT que marcou as décadas de 1990 e 2000. Embora um partido se colocasse no polo diametralmente oposto do que se colocava o outro, no fim, era tudo uma grande encenação (daí o termo “Teatro”) e o objetivo de ambos, mesmo que por caminhos distintos, era perpetuar a Esquerda no poder. Não está claro hoje que o governo FHC pavimentou o caminho para a chegada do PT ao poder?
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Só que, como as legendas “PT” e “PSDB” tiveram sua imagem arranhada por conta dos frequentes escândalos de corrupção, decidiu-se mudar os atores, mas se manter o script da peça. Como vimos, o PSOL, o PSB, o PC do B , o PV e a REDE, hoje, fazem as vezes do PT, enquanto o PSDB, embora, ainda apareça mais forte que o PT enquanto legenda, agora, usa dois novos “codinomes”, “PODEMOS” e “Cidadania”.
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Você já foi atrás para saber de onde surgiram esses dois partidos? O Cidadania é o antigo PPS (Partido Popular Socialista), enquanto o PODEMOS é o antigo PTN (Partido Trabalhista Nacional).
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Então, o que temos hoje na Política nacional? Nada mais nada menos do que isso:
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1. Dois blocos de Esquerda, um formado por PT, PC do B, Psol, PDT, PSB e REDE e outro, que seria seu suposto contraponto (para encenar o teatro), formado por PSDB, Cidadania e PODEMOS;
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2. Partidos tradicionais fisiológicos (DEM, MDB, PP, PSD e PTB) que não possuem ideologia alguma e, apenas, migram de um lado para o outro de acordo com os interesses que lhes forem mais convenientes em determinado momento; e
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3. Partidos nanicos que nada mais são do que legendas de aluguel e que podem ser usados por qualquer um que apresente algum plano de poder viável, independentemente, da ideologia (PRB, PRTB, PSL, PL, PROS e afins).
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Quer ver um exemplo engraçado? Em Fortaleza, foram para o segundo turno os candidatos José Sarto (PDT) e Capitão Wagner (PROS). O Sarto é o candidato do Ciro Gomes, sendo, inclusive, do seu partido. O Capitão Wagner é apoiado por Bolsonaro e concorre pelo PROS. Sabe qual é o maior nome nacional do PROS? O Senador Cid Gomes, irmão do Ciro. Percebeu como o PROS é um desses partidos que aluga a legenda para quem quer que seja, independentemente da ideologia?
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Só para não falar que eu me esqueci, temos, ainda, o NOVO, que, por ainda não ter muita tradição, ainda não mostrou 100% a que veio. O NOVO, em alguns momentos, parece se aproximar mais ao grupo 2 da Esquerda, o que eu chamo de “Esquerda Gourmet” (PSDB, Cidadania e PODEMOS), e, em outros, com os partidos nanicos de aluguel, já que estes sempre têm um dono e que no caso do NOVO é o Amoedo. Tente ser do NOVO e contrariar o Amoedo para você ver o que acontece. Basta analisar o que ocorreu com a desfiliação, no meio da corrida eleitoral, do Felipe Sabará em São Paulo e na não aprovação do pedido de candidatura do competente Paulo Mathias para vereador, também, em São Paulo. Em ambos os casos, apesar das desculpas esfarrapadas dadas pelo partido, ficou claro que o afastamento motivou-se, única e exclusivamente, pelo fato de ambos serem públicos apoiadores do presidente Bolsonaro.
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E a Direita? Onde se encaixa nisso tudo? Não há dúvida que, historicamente, a Direita já teve relevante representação partidária. Até a instalação do regime militar de 64, políticos de Direita eram encontrados na UDN e no PSD e, ainda, alguns, encaixam o PTB da era Vargas como sendo um partido de Direita, no que eu, particularmente, não concordo. Durante o regime militar, com o bipartidarismo, o Arena era o partido de Direita.
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Acontece que o regime militar trouxe um comodismo insalubre à Direita no cenário político brasileiro e, assim, quem começou a fazer Política de verdade foi a Esquerda. Com o fim do sistema bipartidário, o Arena virou o PDS, como vimos, mas que abandonou os ideais de Direita. Foi do PDS que nasceram o PFL (atual DEM) e o PP.
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Assim, a Direita, simplesmente, não possui nenhuma organização partidária que a represente. E, ao invés de se tentar resolver esse problema, que é crucial para qualquer pretensão política conservadora, a Direita prefere ficar discutindo se quem tem razão é o Youtuber Templário número 1 ou o Youtuber Templário número 2, prefere ficar discutindo se os militares (que já são uma realidade, queiram ou não) deveriam participar do governo, prefere ficar discutindo se o presidente deve ficar quieto ou abrir mais a boca, se o Olavo tem razão ou só fala besteira, se o Aras é um comunista disfarçado ou não, se tem que fazer manifestaçãozinha inócua a toda hora, se uma pessoa é mais conservadora que a outra e por aí vai...
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Percebeu o abismo que separa a organização dos atuais agentes políticos no Brasil? Será que se, por exemplo, o Luiz Phelipe Orleans e Bragança (vulgo Príncipe) tivesse conseguido participar das eleições para prefeito de São Paulo, o resultado não poderia ter sido outro?
Acorda, Direita Bebê! Acorda, escove os dentinhos, estude para aprender como o jogo é jogado e coma muito arroz e feijão para se fortalecer e poder entrar em campo. Mas antes de fazer qualquer coisa nesse sentido, jogue fora, agora, essa sua prepotência e soberba e entenda que é a humildade que vai nos conseguir levar a algum lugar.
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É preciso entender que uma guerra é vencida em duas etapas: (i) estratégia; e (ii) execução.
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A estratégia, por sua vez, também se divide em dois passos. O primeiro é determinar qual é o objetivo final. Ocorre que, para se chegar lá, é necessário cumprir um determinado plano e é, por isso que, ainda no campo da estratégia, faz-se necessário desenvolver um planejamento para alcançar os fins almejados. O planejamento, por sua vez, obrigatoriamente, nos leva a criar uma lista de prioridades (um passo a passo), já que não se consegue fazer tudo de uma só vez, até mesmo porque determinadas ações pressupõem a execução de outras anteriores.
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Definidos os objetivos (onde se quer chegar) e o planejamento (como se chega lá), aí sim começa a execução. Hoje, a “Direita” até tem um consenso quanto ao objetivo, que é resgatar os princípios éticos e morais da sociedade e, para isso, todos concordam que se faz necessário expurgar, de uma vez por todas, a Esquerda, em todos os seus espectros, venha ela com o disfarce que quiser.
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Acontece que, mesmo em havendo um consenso em relação aos objetivos finais, não há planejamento algum. Na verdade, sequer há o pontapé inicial do planejamento, que é justamente a definição da lista de prioridades. Para alguns, o mais importante é colocar um conservador no Ministério da Educação, para outros é cortar relações com a China, para outros é conseguir governar e, assim, mostra-se aceitável alianças com o centrão, por exemplo e há ainda outros, mais apressadinhos, que têm como prioridade “depurar a Direita”, como se pudesse depurar algo que sequer existe. Estes já escolheram o papel de parede da sala, mas não se atentaram ao fato de que sequer compramos o terreno para construir a casa.
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Os mais desavisados vão vir com a máxima “uma coisa não exclui a outra”. Eu concordo que há uma série de medidas que podem ser tomadas concomitantemente. Mas nem sempre é assim, em especial no carcomido sistema político em que vivemos. Muitas vezes, para alcançarmos algo, teremos, mesmo que momentaneamente, abrir mão de outra coisa. Da mesma forma, nem toda atitude que pode parecer desencontrada da agenda conservadora significa que o governo abandonou a agenda. Talvez, em alguns casos, seja necessário ceder e até recuar, para que depois possa-se avançar de forma mais incisiva e, principalmente, sustentável.
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Divergências são positivas. O debate de ideias é enriquecedor, mas precisamos aprender com o lado de lá naquilo que fazem bem. Entre outras coisas, se quisermos lavar a roupa suja, temos que o fazer dentro de casa, de forma inteligente, com mais cérebro e menos fígado. É indispensável que a Direita defina qual é a sua lista de prioridades para, só assim, podermos fazer o planejamento estratégico e colocar o plano em ação.
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E para chegarmos a esse consenso, é condição “sine qua non” deixarmos as vaidades de lado, desinflarmos os egos e entendermos que só a união nos fará capazes de enfrentar o inimigo do lado de lá, que se mostra forte, estruturado e que virá armado até os dentes. No mais, não se iludam, não temos muito tempo para ficar nessa etapa, porque, se não nos apressarmos, seremos engolidos antes mesmo de começarmos. Aqui cabe até um pleonasmo vicioso dos mais blasfêmicos: “A URGÊNCIA URGE!
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